quinta-feira, 2 de maio de 2024

Estádio para desembargadores, sem licitação!




As fotos das solenidades de posse das mesas diretoras do STF, STJ e TJMA mostram que o Judiciário, outrora discreto, passou a ocupar mais espaço político e atenção da população. Por enquanto um centro de convenções é suficiente, mas não tardará para que alguém proponha a construção de um estádio para a posse de desembargadores, governadores, prefeitos, parlamentares etc., afinal de contas temos eleições bienais.

O ministério público, as defensorias, os chefes dos poderes executivos federal, estadual e municipal, além dos partidos políticos e parlamentares das três esferas, estimularam a expansão da função moderadora confiada à magistratura desde 1891. O juiz de garantias foi suspenso por liminar não submetida a referendo por anos, o auxílio-moradia criado por liminar até a Lei instituidora do penduricalho, shows cancelados e autorizados por liminares satisfativas sem qualquer padrão decisório!

Os desembargadores foram criados para dar vazão às súplicas que o atarefado monarca não deveria se ocupar, de modo a evitar a autotutela e garantir a segurança pública, jamais para que desrespeitassem a atividade parlamentar, nem criassem direitos, tampouco revisassem ato de gestão. Substituído o linchamento pelo cancelamento, os políticos evitam debater sobre temas sensíveis, preocupados com a perda de votos, submetendo ao Judiciário a função legislativa.

Duas guerras mundiais, a queda do muro de Berlim, cinco revoluções industriais, comunicações instantâneas, liberdades de expressão e de imprensa garantidas pelas redes sociais, e livre circulação de pessoas e coisas tornaram obsoletos os modelos republicano e democrata, e a divisão tripartite das funções do estado. Pouco importa o que o gestor ou parlamentar eleitos digam, a finitude dos mandatos deixa aos vitalícios o direito de impor a última palavra.

A sede do ministério público do trabalho é defronte a baía de São Marcos, literalmente a ver navios, nas dependências de hotel 4 estrelas, a despeito da existência de carvoarias em Grajaú e Sítio Novo. As instalações das defensorias estadual e da União estão no Renascença, distantes do Coroadinho, a 4ª maior favela do Brasil, e da populosa Cidade Operária, em locais não atendidos pelo sistema de transporte público.

Por iniciativa do ministério público, o Judiciário extinguiu o auxílio-paletó dos senadores e deputados. Agora as duas castas de concursados vão ao Parlamento por quinquênios, licenças por acúmulo de acervo ou função administrativa. Ao argumento de isonomia e simetria, o TJMA usa uma lei de iniciativa do Parquet para editar resolução e explicar o pagamento de penduricalho, sem previsão orçamentária específica!

O sucesso do programa Justiça de Proximidade depende da presença física do promotor de justiça, magistrado e defensor nas comarcas, especialmente para atender os povos indígenas e quilombolas. Pendentes de instalação 20 comarcas de entrância inicial, e outras 25 varas únicas sob respondência, há mais de R$ 235 milhões para uma nova sede do TJMA, apesar da ociosidade de espaço do fórum trabalhista.

Estabilidade rígida para servidores, mistura de carreiras de Estado com comuns do serviço público, remunerações e aposentadorias desproporcionalmente elevadas, aptas a pôr os burocratas no quinto mais rico do país. As opulências do palácio de Versalhes, baile da ilha Fiscal e das posses das mesas diretoras das cortes representam o sequestro do estado pelos ilusionistas do bem público.

Além do Cazumbá e Guaraná Jesus, os maranhenses são mundialmente conhecidos por dar e assistir posse de desembargadores em centro de convenções. Se a próxima for num estádio, construído sem licitação, seremos originalmente imbatíveis em disfunção das instituições!

quinta-feira, 7 de março de 2024

Alessandro Martins: vítima de lesa-majestade



Por pensar maldade, desejar a morte e usar palavras de baixo calão contra a dignidade de alguns magistrados, reeditou-se a prisão por crime de lesa-majestade contra a família Távora em 1759, antes de quebrarem-lhes os membros e queimá-los vivos. A crueldade da execução enlouqueceu a rainha D. Maria I, de Portugal.

Com três desembargadores afastados, e outro investigado no CNJ por liminar concedida em habeas corpus sigiloso – há outras nos recônditos do PJe – dois ex-presidentes da Associação dos Magistrados vociferaram contra o Ministério Público, cobrando providências, porque a dignidade da Corte timbira estaria ameaçada!

Xingar pode ser feio, mas não dá cadeia. Desejar a morte de outrem, só é pecado para os cristãos. Gravar um vídeo desejando o mal, é insuficiente a amedrontar crianças, nem a literatura policial registra contratação de sicário pelo Instagram.

A crítica ácida, de mau-gosto, pode gerar indenização, nunca prisão. Ridicularizar uma ação por danos morais, prometendo Pix, é heróico porque desconheço maranhense orgulhoso do Judiciário que tem... Coragem, dinheiro e, quiçá, algum transtorno, a repercutir em blogs e, de forma oblíqua, na imagem de juízes, não é crime!

Como aqui, as monarquias da Tailândia e do Camboja tipificam o crime de lesa-majestade, algo haver com os Índices de Desenvolvimento Humano – IDH, níveis de conquistas civilizatórias e amadurecimento institucional similares. Na Suécia e Dinamarca o serviço público é o refúgio dos ineptos, inaptos e malsucedidos na iniciativa privada, a gerar tratamento respeitoso aos cidadãos.

Pior: o comunicado de prisão em flagrante 0809519-70.2024.8.10.0000 e o habeas corpus 0803631-26.2024.8.10.0000 estão em segredo de justiça, exatamente como nos tempos da ditadura militar, quando impetrava-se habeas corpus para descobrir o paradeiro de presos políticos!

Faz mais de 30 anos que o STF proclama:

Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas. Esse sistema, fortemente estimulado pelo perigoso fascínio do absoluto (Pe. Joseph Comblin, "A Ideologia da Segurança Nacional - o Poder Militar da América Latina", p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em praxis governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema ("O Futuro da Democracia", 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO, como um modelo ideal do governo público em público. (MI 284, rel. p/ ac. min. Celso de Mello, pleno, j. 22/11/1991 in RTJ 139/712)

Em outro julgado, há mais de 15 anos, consignou:

O Estado de direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e, especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo circunstâncias excepcionais, não sermos presos senão após a efetiva comprovação da prática de um crime. Por isso usufruímos a tranquilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão, amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer circunstância à disposição de todos. Tranquilidade que advém de sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão, amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta da qual qualquer violência que os alcance, venha de onde vier, será coibida. [...] O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário), através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I). [HC 95.009, rel. min. Eros Grau, pleno, j. 6/11/2008 in RTJ 208/640)

Sabendo-se que o Tribunal de Justiça é formado por indivíduos de notável e notório saber jurídico, e de reputação ilibada, indaga-se: qual seria a razão idônea para esconder do escrutínio público o articulado policial, a opinião ministerial e a decisão judicial a manter Alessandro Martins preso?

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Quinto do MP: aristocrático, arbitrário e oculto


O Tribunal de Justiça – TJ comunicou ao Procurador Geral de Justiça – PGJ a existência de vaga de desembargador a ser preenchida por membro do Ministério Público – MP, em concretização aos arts. 94 e 104, p. ún., II, ambos da Constituição Federal – CF, e 77 da Constituição Estadual – CE/MA, referentes ao quinto constitucional.

O PGJ, presidente do Conselho Superior do Ministério Público – CSMP, editou a Resolução 21/2024, convocando os interessados à vaga. De acordo com o Comunicado CSMP 8/2024, houve nove candidaturas femininas, e catorze masculinas, a nutrir a esperança de que a lista seja de mulheres ou paritária, no mínimo.

O baixo número de desembargadoras, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 (Paridade de gênero) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas – ONU, os programas, ações e diretrizes dos Conselhos Nacional de Justiça – CNJ e do Ministério Público – CNMP voltados à redução da desigualdade de gênero, e a iniciativa da seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MA, certamente estimularão a observância da paridade de gênero, embora não imposta pelo regramento interno do MP/MA.

Os estudos a respeito do procedimento de formação da lista sêxtupla, e dos critérios a serem observados pelos eleitores ativos provocaram algumas reflexões. Inexiste qualquer espécie de consulta aos promotores justiça, aqueles que atendem as populações nos rincões do estado e lidam com violência à mulher e doméstica, ou contra crianças e pessoas idosas, abuso sexual... os mais humanizados e menos burocratizados, pois.

O Conselho de Procuradores – CPMP composto por 34 membros não é ouvido. Apenas os 7 componentes do CSMP tomarão partido, ou seja, a cúria do Vaticano é mais representativa e democrática que a ministerial. Aparentemente não haverá eleição em sessão pública, por meio de votação nominal, aberta e fundamentada.

A Resolução CNMP 244/2022 estabelece critérios objetivos a serem utilizados: eficiência; resolutividade, que contempla a produtividade e o impacto social; desempenho de funções; presteza no exercício das atribuições e; aperfeiçoamento técnico. Dirão que se aplica somente para fins de promoção e remoção por merecimento?

Conquanto a admissão à carreira seja através de provas e títulos, e o aperfeiçoamento incentivado por licenças e bolsas de estudo, as pós-graduações, mestrados e doutorados serão desprezados solenemente? A antiguidade na carreira, tempo de dedicação às atividades fim do MP, efetiva residência na comarca, participação em lista anterior, publicação de trabalhos jurídicos, e docência no ensino superior nada significarão?

Além do compromisso internacional e da possibilidade de uso analógico de norma regulatória cogente, o direito administrativo contemporâneo é regido por atos vinculados ou com discricionariedade regrada, e os princípios da impessoalidade, motivação e publicidade impedem que a formação da lista sêxtupla ministerial seja obra de 7 burocratas, trancados numa sala, a preencher um papel, sem explicação ao cidadão acerca das razões objetivas e republicanas das escolhas.

A interpretação pro persona e o postulado da máxima eficácia sobre o direito de fiscalização popular dos atos estatais, previstos no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – PIDCP, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH, adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia. Paz e Terra, 1986):

não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de Bobbio, como “um modelo ideal do governo público em público”.  (MI 284, rel. p/ ac. min. Celso de Mello, pleno, j. 22/11/1991 in Revista Trimestral de Jurisprudência – RTJ v. 139, p. 712)

Há tempo de consultar os promotores de justiça e o CPMP, realizar a eleição em sessão pública, por meio de votação nominal, aberta e fundamentada, para que o MP siga a tendência mundial de horizontalização da atividade decisória, racionalidade e motivação dos atos, e afaste qualquer espectro de predileção pessoal, política ou social.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

TJ e paridade "para inglês ver"



Rhaldene Araújo e Aldenor Rebouças

Nos corredores da câmara dos deputados, em 1831, com o sentimento geral de que não seria cumprida, comentava-se que o ministro Feijó fizera uma lei só “para inglês ver”. Tratava-se da proibição do tráfico negreiro.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 (igualdade de gênero) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas - ONU, à qual se comprometeu o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, rendeu a edição das resoluções CNJ 255, de 4/9/2018 (Incentivo à participação feminina no poder judiciário), e 492, de 17/3/2023 (Perspectiva de gênero nos julgamentos dos órgãos do poder judiciário).

A resolução CNJ 525, de 27/9/2023, aprovou ação afirmativa tendente a promover o atingimento da paridade de gênero na composição dos tribunais de justiça, e dos regionais federais e do trabalho. Existe maioria no CNJ, a estender a paridade de gênero aos cargos de confiança e assessoramento da alta administração dos tribunais, como ouvidorias e corregedorias, e designações para conselhos, comitês e comissões.

As indicações presidenciais ao Supremo Tribunal Federal – STF e ao Superior Tribunal de Justiça – STJ servem a dimensionar o tempo que será necessário para que a importância da ação afirmativa e os reflexos empíricos dela sejam visíveis. O Tribunal de Justiça - TJ/SP lançou um edital de concurso da magistratura somente para mulheres, e o TJ/GO aprovou resolução a concretizar a norma do CNJ pela paridade de gênero.

O governador indicou a primeira mulher para compor o tribunal de contas do estado – TCE. Amanhã (24/1) o TJ escolherá três novos desembargadores, dois pelo critério de merecimento e um pelo critério de antiguidade. Seis juízas receberão notas de 25 homens e 5 mulheres, e outra terá o tempo de serviço contado.

A candidata Maria do Socorro Mendonça Carneiro figurou em três listas intercaladas, e a aspirante Marcia Cristina Coelho Chaves em duas consecutivas, duas boas razões a que um dos editais fosse destinado exclusivamente a mulheres, de modo a colocar a Corte maranhense em posição de vanguarda.

As três últimas eleições da mesa diretora do TJ/MA caracterizam antecedentes negativos de violência político-institucional, pois a regra consuetudinária de entrega da presidência ao membro mais antigo foi descumprida contra uma mulher. A atual mesa diretora é completamente masculina, e as notícias a respeito da eleição vindoura vaticinam uma nova hegemonia.

O mais grave: a procuradoria da mulher da assembleia legislativa, a casa da mulher brasileira, as secretarias de estado e municipal da mulher, a associação de mulheres de carreira jurídica, a coordenadoria estadual da mulher, a comissão da mulher advogada, os núcleos de defesa da mulher, da defensoria e do ministério público, a associação dos magistrados, e as próprias juízas estão caladas! É o sintoma típico daqueles que sofrem violência e temem represálias caso falem.

Que as desembargadoras e desembargadores não permitam, através do voto, a edição de um novo capítulo de violência político-institucional, quando existentes candidatas referendadas pelo colegiado, justamente neste momento histórico.