quinta-feira, 7 de março de 2024

Alessandro Martins: vítima de lesa-majestade



Por pensar maldade, desejar a morte e usar palavras de baixo calão contra a dignidade de alguns magistrados, reeditou-se a prisão por crime de lesa-majestade contra a família Távora em 1759, antes de quebrarem-lhes os membros e queimá-los vivos. A crueldade da execução enlouqueceu a rainha D. Maria I, de Portugal.

Com três desembargadores afastados, e outro investigado no CNJ por liminar concedida em habeas corpus sigiloso – há outras nos recônditos do PJe – dois ex-presidentes da Associação dos Magistrados vociferaram contra o Ministério Público, cobrando providências, porque a dignidade da Corte timbira estaria ameaçada!

Xingar pode ser feio, mas não dá cadeia. Desejar a morte de outrem, só é pecado para os cristãos. Gravar um vídeo desejando o mal, é insuficiente a amedrontar crianças, nem a literatura policial registra contratação de sicário pelo Instagram.

A crítica ácida, de mau-gosto, pode gerar indenização, nunca prisão. Ridicularizar uma ação por danos morais, prometendo Pix, é heróico porque desconheço maranhense orgulhoso do Judiciário que tem... Coragem, dinheiro e, quiçá, algum transtorno, a repercutir em blogs e, de forma oblíqua, na imagem de juízes, não é crime!

Como aqui, as monarquias da Tailândia e do Camboja tipificam o crime de lesa-majestade, algo haver com os Índices de Desenvolvimento Humano – IDH, níveis de conquistas civilizatórias e amadurecimento institucional similares. Na Suécia e Dinamarca o serviço público é o refúgio dos ineptos, inaptos e malsucedidos na iniciativa privada, a gerar tratamento respeitoso aos cidadãos.

Pior: o comunicado de prisão em flagrante 0809519-70.2024.8.10.0000 e o habeas corpus 0803631-26.2024.8.10.0000 estão em segredo de justiça, exatamente como nos tempos da ditadura militar, quando impetrava-se habeas corpus para descobrir o paradeiro de presos políticos!

Faz mais de 30 anos que o STF proclama:

Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas. Esse sistema, fortemente estimulado pelo perigoso fascínio do absoluto (Pe. Joseph Comblin, "A Ideologia da Segurança Nacional - o Poder Militar da América Latina", p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em praxis governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema ("O Futuro da Democracia", 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO, como um modelo ideal do governo público em público. (MI 284, rel. p/ ac. min. Celso de Mello, pleno, j. 22/11/1991 in RTJ 139/712)

Em outro julgado, há mais de 15 anos, consignou:

O Estado de direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e, especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo circunstâncias excepcionais, não sermos presos senão após a efetiva comprovação da prática de um crime. Por isso usufruímos a tranquilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão, amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer circunstância à disposição de todos. Tranquilidade que advém de sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão, amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta da qual qualquer violência que os alcance, venha de onde vier, será coibida. [...] O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário), através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I). [HC 95.009, rel. min. Eros Grau, pleno, j. 6/11/2008 in RTJ 208/640)

Sabendo-se que o Tribunal de Justiça é formado por indivíduos de notável e notório saber jurídico, e de reputação ilibada, indaga-se: qual seria a razão idônea para esconder do escrutínio público o articulado policial, a opinião ministerial e a decisão judicial a manter Alessandro Martins preso?