terça-feira, 31 de agosto de 2021

 Procedente a reclamação, multe-se o juiz

Uma conversa em grupo de advogados, a respeito da necessidade de manejo de uma Reclamação ao Tribunal de Justiça, para o cumprimento de decisão comunicada à vara há mais de sete meses, serve a demonstrar a disfuncionalidade do sistema judiciário, protegida por um conceito vetusto e corporativista de que a demora, o erro e a insurreição dos juízes aos comandos superiores são imunes a reprimendas de ordem processual.

A possibilidade de condenação ao pagamento de custas e de imposição de multa aos magistrados constam dos arts. 101, 653 e 655, do Código de Processo Penal (1941), mas não há notícia da concretização das referidas normas. Concedidos os Habeas Corpus com base em súmulas (vinculantes) ou jurisprudência dominante, as Cortes nem cogitam as punições.

É inaceitável que furtos de um copo de requeijão restituído à vítima, ou de um engradado de garrafas de cerveja vazias, avaliado em R$ 16, tenham de chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), para ser reconhecida a insignificância penal destas condutas. O custo de mobilização da polícia, do ministério público, da defensoria pública, dos servidores das varas e dos magistrados envolvidos caracteriza um verdadeiro assalto ao erário.

Por outro lado, os arts. 77, §§ 2º e 5º, 80, IV, 81, § 2º, e 146, § 5º, todos do Código de Processo Civil (2015), estão a indicar a viabilidade de castigar juízes no bojo do processo. É que na Reclamação e no Habeas Corpus a autoridade ocupa o polo passivo da relação processual e, por isso, plenamente aplicáveis os dispositivos punitivos. Se a característica do sistema de precedentes é a sua força vinculativa aos órgãos judiciais de grau inferior ao que os criou, então o desatendimento tem de gerar consequências ao insubordinado.

A par da irracionalidade e do dispêndio desnecessário de dinheiro público, protagonizados pela omissão jurisdicional de sete meses que estimulou a propositura da Reclamação, houve geração de prejuízos ao: (i) cidadão, que precisou contratar novo serviço advocatício, sem olvidar o dano moral; (ii) tribunal, pois a autoridade de suas decisões gera desacreditada; (iii) advogado, que perde credibilidade perante o cliente, pois “ganha mas não leva” e; (iv) tempo útil de todos os envolvidos.

O maior desperdício de dinheiro público, hoje, é aquele praticado pelo poder judiciário, sob os olhos complacentes das Cortes Superiores. Os números de Reclamações procedentes, Habeas Corpus concedidos e Recursos Ordinários providos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo STF servem a demonstrar a grande resistência dos tribunais estaduais e federais à submissão judicante.

A necessidade cada vez de maior de arrecadação de custas processuais, para solver as despesas da máquina, fez subir os indeferimentos de justiça gratuita. O aumento massivo de demandas restringiu as hipóteses de dano moral. Além de desobediente, a magistratura está transferindo ao cidadão e à advocacia uma conta criada por a ela mesma.

A boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça, e o aperfeiçoamento das instituições jurídicas são as finalidades da OAB, infelizmente esquecidas.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

OAB omissa pune advogados, meio-ambiente e a saúde pública

A chegada da praga do século XXI ao território maranhense estimulou notáveis reformulações sociais, especialmente o desenvolvimento do trabalho remoto através de aplicativos de conferência virtual, migração dos processos físicos para a nuvem eletrônica, e realização de atos e diligências sem a necessidade de contato pessoal ou locomoção às sedes físicas das unidades jurisdicionais ou administrativas.

Para atendimento das medidas sanitárias de combate à propagação da Covid-19, o Tribunal de Justiça permitiu a remessa e o recebimento de petições endereçadas por e-mail aos processos físicos. Lamentavelmente, a faculdade foi extinta pela Portaria GP 549/2021, de 03/08/21, ato não colegiado, editado sem a prévia oitiva das demais carreiras essenciais à administração da justiça (OAB, Ministério Público e Defensoria). Por quê?

A primeira vítima do retrocesso é o jovem advogado, aquele com poucos clientes e prestações do financiamento estudantil (ProUni ou FIES) vencendo mensalmente. O que antes resolvia com meia dúzia de cliques, agora demanda a paramentação, lavagem das roupas, polimento dos sapatos, gastos com transporte de ida e volta e, talvez, refeição fora de casa.

O meio-ambiente é o segundo sacrificado. Os alvejantes, sabões para limpeza do vestuário, e o combustível fóssil consumido pelos ônibus ou veículos poluem a água, terra e atmosfera. De outro lado, a imposição de protocolo físico aumenta as chances de contágio no ambiente do transporte público, e na repartição competente para o recebimento da petição, a revelar o desacerto da medida sob o ângulo da saúde pública.

Há mais de 100 anos o funcionamento dos protocolos judiciários é da 8h às 18h, e o art. 232, do Código de Processo Civil (CPC), estatui que os atos podem ser realizados da 6h às 20h, mas agora foi limitado das 8h às 15h. Mais uma vez, inexiste qualquer espécie de colheita da opinião dos operadores do sistema jurídico (OAB, Ministério Público e Defensoria). Por quê?

A OAB (indevidamente) pagou estagiários para a digitalização do acervo do Tribunal de Justiça, eis porque legítima a expectativa de audição daquela, antes da tomada de decisão impactante na atividade advocatícia. A distribuição de exemplares impressos da constituição federal no terminal da integração, ontem (23/8), confirma a dotação orçamentária para a aquisição de toner e papel para a materialização das petições enviadas pelo e-mail.

Colegas idosos, grávidas, lactantes, com dificuldade de locomoção, imunodeprimidos etc. estão a amargar o retrocesso. As políticas de inclusão social e o acesso à justiça são sabotados por uma canetada que dificulta o exercício da advocacia, impondo o deslocamento ao prédio, e restringindo o horário de funcionamento do protocolo.

Audiências públicas, planejamento e orçamento participativos, e a figura do amicus curiae (art. 138, do CPC) representam a possibilidade de a sociedade civil organizada participar ativamente da formação das decisões administrativas e judiciais. Assim, nenhuma razão republicana existe a justificar ato individual, de grande repercussão social, ao largo do plenário, e sem oferecer atenção aos outros manipuladores da máquina judicante.

É lamentável que a OAB esteja omissa, sem noticiar medida diplomática ou de controle perante o Conselho Nacional de Justiça, visando a repristinação da norma que possibilitava a remessa e o recebimento de petições por e-mail, até as 18h, em honra à história da Corte.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

 

Colombo & Canastrões S/A

Em 03/08/1492, Cristóvão Colombo zarpou de Palos de La Frontera, Espanha, em direção às Índias. Um contrato protótipo da sociedade em comandita por ações regulava os direitos e deveres dos investidores, tripulantes e capitães. Beirando o primeiro quartel do século XXI, com a pauta advocatícia tomada pelo visual law, justiça 4.0, design law, e os sistemas de inteligência Athos e Sócrates minutando decisões no STJ, há quem pretenda conferir respeitabilidade às suas propostas por meio de sinal cartorário.

Inaugurado o mundo pós-pandêmico, um vereador médico(!) e um deputado federal anunciam o direcionamento de recursos públicos para um hospital veterinário, ignorando a redução de arrecadação e a oneração dos custos com saúde, em razão dos tratamentos de Covid-19 e das sequelas por esta deixadas. Estabelecida a tensão orçamentária entre saúde humana e bem-estar animal, os capitães fogem da tormenta, quiçá por acreditarem que direitos brotam de árvores ou caem do céu, assim como o maná.

É preciso lembrar – e honrar – a história institucional, ainda que isso implique a tomada de posições impopulares, discutíveis ou de confronto institucional, como aquela que resultou no atentado a bomba a Seabra Fagundes. O cartel de concursados que compõe o sistema de administração da justiça agradece o subsídio público para os cuidados dos seus pets. Vacinas fornecidas pela prefeitura de São Luís foram aplicadas nas dependências do sindicato de juízes, mas a população não teve o acesso franqueado.

Tal como outrora, a tripulação e os capitães são pessoas de confiança dos investidores, cuja identidade é resguardada, em regra, para proteger interesses políticos, econômicos ou ambos. Um candidato derrotado na eleição passada, beneficiário de R$ 5 mil mensais da OAB, com ar de professor, escreve sobre compliance, governança corporativa e transparência, com direito a imagem no frontispício do Imparcial. A serpente de São Luís quase acordou com o interesse inusitado pelo procurador da companhia de águas.

A fantasia de pirata usada pelo multifuncional (tesoureiro, diretor da ESA, palestrante e reclamante trabalhista) simultâneo não estimulou os diretores ou conselheiros a questionar, no mínimo, a quantia paga aos estagiários responsáveis pela digitalização do acervo processual do tribunal. Não temos sequer voz nas sessões administrativas da corte, mas nossas anuidades servem para isso? Quantos colegas sequelados pela Covid-19 deixaram de receber desconto na anuidade?

A defesa das prerrogativas sempre aparece no período eleitoral, mas não há relatório de representações à corregedoria, conselhos nacionais, procedimentos de controle administrativo etc. Nada, absolutamente nada. Os quatro últimos presidentes da pasta vangloriam-se dos quilômetros rodados pelo interior do estado. Para o retorno do atendimento presencial foi necessário que duas associações de criminalistas e quatro advogados suprissem a omissão da OAB.

A capacidade de se indignar, aparentemente, desapareceu. O impresso com denominação social diminutiva dedicou uma página inteira ao capitão da CAAMA, não sendo possível identificar o interesse jornalístico, além da bajulação. O enigma é da natureza das sociedades anônimas, assegurado pela simples autenticação dos livros de registro e de transferência de ações.

Enquanto ouvimos os estampidos dos disparos trocados entre os zelotes de Kaio Saraiva(da) e os asseclas de Diego Sá(raivada), as naus afundam vitimando toda a classe. Uma análise fria do quanto veiculado pelos blogs e jornais, a respeito da OAB e da CAAMA, conduz à conclusão de que somos uma sucursal do comitê olímpico, uma mantenedora de lanhouses, um clube de benefícios, e uma ONG com mais comissões temáticas que a ONU!

O alento é perceber que uma das caravelas, com mudas de maçãs daninhas, vai a pique justamente onde localizado o ponto mais profundo da Fossa das Marianas, antes de chegar as Índias. Já sabem qual será a próxima comissão a ser criada. Depois de 20 anos de observação, é possível antever o comportamento de um espécime.