quinta-feira, 2 de maio de 2024

Estádio para desembargadores, sem licitação!




As fotos das solenidades de posse das mesas diretoras do STF, STJ e TJMA mostram que o Judiciário, outrora discreto, passou a ocupar mais espaço político e atenção da população. Por enquanto um centro de convenções é suficiente, mas não tardará para que alguém proponha a construção de um estádio para a posse de desembargadores, governadores, prefeitos, parlamentares etc., afinal de contas temos eleições bienais.

O ministério público, as defensorias, os chefes dos poderes executivos federal, estadual e municipal, além dos partidos políticos e parlamentares das três esferas, estimularam a expansão da função moderadora confiada à magistratura desde 1891. O juiz de garantias foi suspenso por liminar não submetida a referendo por anos, o auxílio-moradia criado por liminar até a Lei instituidora do penduricalho, shows cancelados e autorizados por liminares satisfativas sem qualquer padrão decisório!

Os desembargadores foram criados para dar vazão às súplicas que o atarefado monarca não deveria se ocupar, de modo a evitar a autotutela e garantir a segurança pública, jamais para que desrespeitassem a atividade parlamentar, nem criassem direitos, tampouco revisassem ato de gestão. Substituído o linchamento pelo cancelamento, os políticos evitam debater sobre temas sensíveis, preocupados com a perda de votos, submetendo ao Judiciário a função legislativa.

Duas guerras mundiais, a queda do muro de Berlim, cinco revoluções industriais, comunicações instantâneas, liberdades de expressão e de imprensa garantidas pelas redes sociais, e livre circulação de pessoas e coisas tornaram obsoletos os modelos republicano e democrata, e a divisão tripartite das funções do estado. Pouco importa o que o gestor ou parlamentar eleitos digam, a finitude dos mandatos deixa aos vitalícios o direito de impor a última palavra.

A sede do ministério público do trabalho é defronte a baía de São Marcos, literalmente a ver navios, nas dependências de hotel 4 estrelas, a despeito da existência de carvoarias em Grajaú e Sítio Novo. As instalações das defensorias estadual e da União estão no Renascença, distantes do Coroadinho, a 4ª maior favela do Brasil, e da populosa Cidade Operária, em locais não atendidos pelo sistema de transporte público.

Por iniciativa do ministério público, o Judiciário extinguiu o auxílio-paletó dos senadores e deputados. Agora as duas castas de concursados vão ao Parlamento por quinquênios, licenças por acúmulo de acervo ou função administrativa. Ao argumento de isonomia e simetria, o TJMA usa uma lei de iniciativa do Parquet para editar resolução e explicar o pagamento de penduricalho, sem previsão orçamentária específica!

O sucesso do programa Justiça de Proximidade depende da presença física do promotor de justiça, magistrado e defensor nas comarcas, especialmente para atender os povos indígenas e quilombolas. Pendentes de instalação 20 comarcas de entrância inicial, e outras 25 varas únicas sob respondência, há mais de R$ 235 milhões para uma nova sede do TJMA, apesar da ociosidade de espaço do fórum trabalhista.

Estabilidade rígida para servidores, mistura de carreiras de Estado com comuns do serviço público, remunerações e aposentadorias desproporcionalmente elevadas, aptas a pôr os burocratas no quinto mais rico do país. As opulências do palácio de Versalhes, baile da ilha Fiscal e das posses das mesas diretoras das cortes representam o sequestro do estado pelos ilusionistas do bem público.

Além do Cazumbá e Guaraná Jesus, os maranhenses são mundialmente conhecidos por dar e assistir posse de desembargadores em centro de convenções. Se a próxima for num estádio, construído sem licitação, seremos originalmente imbatíveis em disfunção das instituições!

quinta-feira, 7 de março de 2024

Alessandro Martins: vítima de lesa-majestade



Por pensar maldade, desejar a morte e usar palavras de baixo calão contra a dignidade de alguns magistrados, reeditou-se a prisão por crime de lesa-majestade contra a família Távora em 1759, antes de quebrarem-lhes os membros e queimá-los vivos. A crueldade da execução enlouqueceu a rainha D. Maria I, de Portugal.

Com três desembargadores afastados, e outro investigado no CNJ por liminar concedida em habeas corpus sigiloso – há outras nos recônditos do PJe – dois ex-presidentes da Associação dos Magistrados vociferaram contra o Ministério Público, cobrando providências, porque a dignidade da Corte timbira estaria ameaçada!

Xingar pode ser feio, mas não dá cadeia. Desejar a morte de outrem, só é pecado para os cristãos. Gravar um vídeo desejando o mal, é insuficiente a amedrontar crianças, nem a literatura policial registra contratação de sicário pelo Instagram.

A crítica ácida, de mau-gosto, pode gerar indenização, nunca prisão. Ridicularizar uma ação por danos morais, prometendo Pix, é heróico porque desconheço maranhense orgulhoso do Judiciário que tem... Coragem, dinheiro e, quiçá, algum transtorno, a repercutir em blogs e, de forma oblíqua, na imagem de juízes, não é crime!

Como aqui, as monarquias da Tailândia e do Camboja tipificam o crime de lesa-majestade, algo haver com os Índices de Desenvolvimento Humano – IDH, níveis de conquistas civilizatórias e amadurecimento institucional similares. Na Suécia e Dinamarca o serviço público é o refúgio dos ineptos, inaptos e malsucedidos na iniciativa privada, a gerar tratamento respeitoso aos cidadãos.

Pior: o comunicado de prisão em flagrante 0809519-70.2024.8.10.0000 e o habeas corpus 0803631-26.2024.8.10.0000 estão em segredo de justiça, exatamente como nos tempos da ditadura militar, quando impetrava-se habeas corpus para descobrir o paradeiro de presos políticos!

Faz mais de 30 anos que o STF proclama:

Alguns dos muitos abusos cometidos pelo regime de exceção instituído no Brasil em 1964 traduziram-se, dentre os vários atos de arbítrio puro que o caracterizaram, na concepção e formulação teórica de um sistema claramente inconvivente com a prática das liberdades públicas. Esse sistema, fortemente estimulado pelo perigoso fascínio do absoluto (Pe. Joseph Comblin, "A Ideologia da Segurança Nacional - o Poder Militar da América Latina", p. 225, 3. ed., 1980, trad. de A. Veiga Fialho, Civilização Brasileira), ao privilegiar e cultivar o sigilo, transformando-o em praxis governamental institucionalizada, frontalmente ofendeu o princípio democrático, pois, consoante adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema ("O Futuro da Democracia", 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO, como um modelo ideal do governo público em público. (MI 284, rel. p/ ac. min. Celso de Mello, pleno, j. 22/11/1991 in RTJ 139/712)

Em outro julgado, há mais de 15 anos, consignou:

O Estado de direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e, especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo circunstâncias excepcionais, não sermos presos senão após a efetiva comprovação da prática de um crime. Por isso usufruímos a tranquilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão, amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer circunstância à disposição de todos. Tranquilidade que advém de sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão, amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta da qual qualquer violência que os alcance, venha de onde vier, será coibida. [...] O que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário), através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da Constituição, e do Ministério Público, a quem compete, privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I). [HC 95.009, rel. min. Eros Grau, pleno, j. 6/11/2008 in RTJ 208/640)

Sabendo-se que o Tribunal de Justiça é formado por indivíduos de notável e notório saber jurídico, e de reputação ilibada, indaga-se: qual seria a razão idônea para esconder do escrutínio público o articulado policial, a opinião ministerial e a decisão judicial a manter Alessandro Martins preso?

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Quinto do MP: aristocrático, arbitrário e oculto


O Tribunal de Justiça – TJ comunicou ao Procurador Geral de Justiça – PGJ a existência de vaga de desembargador a ser preenchida por membro do Ministério Público – MP, em concretização aos arts. 94 e 104, p. ún., II, ambos da Constituição Federal – CF, e 77 da Constituição Estadual – CE/MA, referentes ao quinto constitucional.

O PGJ, presidente do Conselho Superior do Ministério Público – CSMP, editou a Resolução 21/2024, convocando os interessados à vaga. De acordo com o Comunicado CSMP 8/2024, houve nove candidaturas femininas, e catorze masculinas, a nutrir a esperança de que a lista seja de mulheres ou paritária, no mínimo.

O baixo número de desembargadoras, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 (Paridade de gênero) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas – ONU, os programas, ações e diretrizes dos Conselhos Nacional de Justiça – CNJ e do Ministério Público – CNMP voltados à redução da desigualdade de gênero, e a iniciativa da seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/MA, certamente estimularão a observância da paridade de gênero, embora não imposta pelo regramento interno do MP/MA.

Os estudos a respeito do procedimento de formação da lista sêxtupla, e dos critérios a serem observados pelos eleitores ativos provocaram algumas reflexões. Inexiste qualquer espécie de consulta aos promotores justiça, aqueles que atendem as populações nos rincões do estado e lidam com violência à mulher e doméstica, ou contra crianças e pessoas idosas, abuso sexual... os mais humanizados e menos burocratizados, pois.

O Conselho de Procuradores – CPMP composto por 34 membros não é ouvido. Apenas os 7 componentes do CSMP tomarão partido, ou seja, a cúria do Vaticano é mais representativa e democrática que a ministerial. Aparentemente não haverá eleição em sessão pública, por meio de votação nominal, aberta e fundamentada.

A Resolução CNMP 244/2022 estabelece critérios objetivos a serem utilizados: eficiência; resolutividade, que contempla a produtividade e o impacto social; desempenho de funções; presteza no exercício das atribuições e; aperfeiçoamento técnico. Dirão que se aplica somente para fins de promoção e remoção por merecimento?

Conquanto a admissão à carreira seja através de provas e títulos, e o aperfeiçoamento incentivado por licenças e bolsas de estudo, as pós-graduações, mestrados e doutorados serão desprezados solenemente? A antiguidade na carreira, tempo de dedicação às atividades fim do MP, efetiva residência na comarca, participação em lista anterior, publicação de trabalhos jurídicos, e docência no ensino superior nada significarão?

Além do compromisso internacional e da possibilidade de uso analógico de norma regulatória cogente, o direito administrativo contemporâneo é regido por atos vinculados ou com discricionariedade regrada, e os princípios da impessoalidade, motivação e publicidade impedem que a formação da lista sêxtupla ministerial seja obra de 7 burocratas, trancados numa sala, a preencher um papel, sem explicação ao cidadão acerca das razões objetivas e republicanas das escolhas.

A interpretação pro persona e o postulado da máxima eficácia sobre o direito de fiscalização popular dos atos estatais, previstos no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – PIDCP, e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH, adverte Norberto Bobbio, em lição magistral sobre o tema (O Futuro da Democracia. Paz e Terra, 1986):

não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério. O novo estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado, disciplinando-o, com expressa ressalva para as situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais. A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de Bobbio, como “um modelo ideal do governo público em público”.  (MI 284, rel. p/ ac. min. Celso de Mello, pleno, j. 22/11/1991 in Revista Trimestral de Jurisprudência – RTJ v. 139, p. 712)

Há tempo de consultar os promotores de justiça e o CPMP, realizar a eleição em sessão pública, por meio de votação nominal, aberta e fundamentada, para que o MP siga a tendência mundial de horizontalização da atividade decisória, racionalidade e motivação dos atos, e afaste qualquer espectro de predileção pessoal, política ou social.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

TJ e paridade "para inglês ver"



Rhaldene Araújo e Aldenor Rebouças

Nos corredores da câmara dos deputados, em 1831, com o sentimento geral de que não seria cumprida, comentava-se que o ministro Feijó fizera uma lei só “para inglês ver”. Tratava-se da proibição do tráfico negreiro.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 (igualdade de gênero) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas - ONU, à qual se comprometeu o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, rendeu a edição das resoluções CNJ 255, de 4/9/2018 (Incentivo à participação feminina no poder judiciário), e 492, de 17/3/2023 (Perspectiva de gênero nos julgamentos dos órgãos do poder judiciário).

A resolução CNJ 525, de 27/9/2023, aprovou ação afirmativa tendente a promover o atingimento da paridade de gênero na composição dos tribunais de justiça, e dos regionais federais e do trabalho. Existe maioria no CNJ, a estender a paridade de gênero aos cargos de confiança e assessoramento da alta administração dos tribunais, como ouvidorias e corregedorias, e designações para conselhos, comitês e comissões.

As indicações presidenciais ao Supremo Tribunal Federal – STF e ao Superior Tribunal de Justiça – STJ servem a dimensionar o tempo que será necessário para que a importância da ação afirmativa e os reflexos empíricos dela sejam visíveis. O Tribunal de Justiça - TJ/SP lançou um edital de concurso da magistratura somente para mulheres, e o TJ/GO aprovou resolução a concretizar a norma do CNJ pela paridade de gênero.

O governador indicou a primeira mulher para compor o tribunal de contas do estado – TCE. Amanhã (24/1) o TJ escolherá três novos desembargadores, dois pelo critério de merecimento e um pelo critério de antiguidade. Seis juízas receberão notas de 25 homens e 5 mulheres, e outra terá o tempo de serviço contado.

A candidata Maria do Socorro Mendonça Carneiro figurou em três listas intercaladas, e a aspirante Marcia Cristina Coelho Chaves em duas consecutivas, duas boas razões a que um dos editais fosse destinado exclusivamente a mulheres, de modo a colocar a Corte maranhense em posição de vanguarda.

As três últimas eleições da mesa diretora do TJ/MA caracterizam antecedentes negativos de violência político-institucional, pois a regra consuetudinária de entrega da presidência ao membro mais antigo foi descumprida contra uma mulher. A atual mesa diretora é completamente masculina, e as notícias a respeito da eleição vindoura vaticinam uma nova hegemonia.

O mais grave: a procuradoria da mulher da assembleia legislativa, a casa da mulher brasileira, as secretarias de estado e municipal da mulher, a associação de mulheres de carreira jurídica, a coordenadoria estadual da mulher, a comissão da mulher advogada, os núcleos de defesa da mulher, da defensoria e do ministério público, a associação dos magistrados, e as próprias juízas estão caladas! É o sintoma típico daqueles que sofrem violência e temem represálias caso falem.

Que as desembargadoras e desembargadores não permitam, através do voto, a edição de um novo capítulo de violência político-institucional, quando existentes candidatas referendadas pelo colegiado, justamente neste momento histórico.

sábado, 3 de junho de 2023

O TRE à beira de Rodrigo Maia Rocha

 

O procurador geral do estado, indicado arbitrariamente pelos dois últimos inquilinos do Palácio dos Leões, está a postular uma vaga de jurista no TRE, hoje ocupada por uma mulher que pretende a recondução. Na próxima quarta-feira o TJ formará a lista tríplice a ser enviada ao TRE, para livre escolha presidencial.

Tendo servido ao atual ministro da justiça, e devedor do cargo ao governador, nenhum candidato da oposição confiará na imparcialidade e independência de Rodrigo Maia Rocha, tampouco os eleitores. A remessa do nome do vassalo a Brasília, além de caracterizar retrocesso institucional e político, viola os Princípios de Conduta Judicial de Bangalore (2001), aprovados pela ONU.

Os membros da oposição nas próximas eleições terão uma preocupação adicional, decorrente da presença do sobrinho do governador no TCE, órgão incumbido de analisar as prestações de contas das campanhas, e das gestões das prefeituras e câmaras de vereadores. Pende de julgamento uma ação popular com vistas a cassar a nomeação, também em razão do despreparo intelectual.

A hegemonia do espectro político encarnado na pessoa de Carlos Brandão é evidente, pois 41 deputados subscreveram o apoio à candidatura do seu sobrinho para o cargo de conselheiro do TCE. Em Como as democracias morrem, Levitsky e Ziblatt apontam o enfraquecimento das instituições democráticas através do sequestro político, e a subversão dos processos de recrutamento dos membros dos órgãos judicantes e de controle, a caracterizar os golpes de estado silenciosos.

Os credores dos precatórios renegociados e não pagos do estado não merecem a nomeação do afilhado de casamento do chefe do executivo, que sequer cumpre o requisito supradecenal de carreira, dada a propensão íntima ao indeferimento de sequestro dos valores. Uma impugnação ao aspirante tramita na corte, que pode resultar na devolução da lista sêxtupla enviada pela OAB.

Curiosamente, o estado propôs uma reclamação, em 25/5, e interpôs um agravo de instrumento em 31/5, ambos visando suspender o curso da ação popular contra o sobrinho do governador. As digitais de Rodrigo Maia Rocha estão nas duas petições, não havendo notícia de recurso voluntário do conselheiro sub judice, patrocinado pelo candidato irregular do quinto constitucional da advocacia.

À luz do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 (igualdade de gênero), da Agenda 2030 da ONU, e para promover a democracia paritária, cabe adotar meios a maximizar as chances de êxito das mulheres ocupantes das cadeiras, incluído o veto silencioso do TJ ao candidato palaciano. A ótica é robustecida após a aprovação da Resolução CNJ 492, de 17/3/2023 (Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero).

A capa da edição do primeiro trimestre da Massachusetts Institute of Technology Review disserta sobre o tecnofeudalismo, como consequência imediata do algoritarismo. É lamentável constatar que as condutas do executivo e do legislativo desenhem a existência daquele suserano combatido em 1763, por William Pitt, conde de Chaptham: O homem mais pobre pode, em sua cabana, desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!

O sistema de freios e contrapesos, a função contramajoritária, e a necessidade de proteção da arquitetura institucional democrática contra a excessiva ingerência político-partidária, reclamam do TJ um especial cuidado na formação das duas listas tríplices, pois em jogo a própria altivez e a confiança dos jurisdicionados na independência da corte.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

A advocacia na cova dos Leões



A advocacia é uma atividade que tem como pressuposto a existência de balanceamento de poder em diversos personagens a impedir a tirania, caso contrário, a caneta e a tribuna não terão qualquer serventia frente ao fuzil ou a espada. Se aos jurisdicionados lhes falta a confiança em sua justiça, restará ferido o próprio estado democrático de direito.

As revoluções inglesa, americana e francesa, Gandhi, Mandela e Ulysses Guimarães, provam que são os advogados os efetivos defensores da sociedade. A inércia permissiva do ministério e defensoria públicos, da OAB, e do congresso nacional acerca da hipertrofia judicial, resultou nos atos de 8/1 contra os símbolos máximos da república, às barbas das forças armadas coniventes.

Se alguém decide o que é o direito, e os outros nada dizem, presume-se a comunhão de vontade dos controladores. Presente tal contexto, a advocacia necessita frustrar a chegada de alguém com ligações excessivas com o Palácio dos Leões, ao menos para as finalidades de: (i) demonstrar altivez institucional; (ii) eliminar qualquer desconfiança de vassalagem; (iii) honrar a tradição de combate ao mínimo arbítrio; (iv) proteger a imagem de independência do TJMA e; (v) retirar dos populares a ideia de que os amigos ou familiares do chefe do executivo são favorecidos.

À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, é uma máxima desde o divórcio de Pompeia Sula (60 a.C.). De Baker vs. Carr (1962) 369 US 186, se extrai que a autoridade da corte “ultimamente resta sustentada na confiança do público na sua sanção moral. Esse sentimento deve ser nutrido pelo total desprendimento dos juízes da corte, de fato e na aparência, de embaraços políticos e pela abstenção de se envolverem em conflitos de forças políticas dentro de estabelecimentos políticos.

O tribunal europeu de direitos humanos, desde o caso Piersack vs. Bélgica (1982), assinala que “todo juiz em relação ao qual possa haver razões legítimas para duvidar de sua imparcialidade deve abster-se de julgar o processo. O que está em jogo é a confiança que os tribunais devem inspirar nos cidadãos em uma sociedade democrática”.

Ajuizado o pedido de sequestro de valores em razão do não pagamento de precatórios ou dos acordos judiciais referentes a eles, como votaria a prima de 4º grau ou o ex-advogado de Brandão? A indicação presidencial para ministro do STF é alvo de severas críticas, logo não devemos eleger alguém que, além da gratidão pela nomeação, nutra outro sentimento em relação ao chefe do executivo.

Os princípios de conduta judicial de Bangalore (2001), aprovados pela ONU, projetam um judiciário de incontestável integridade, essencial, para assegurar a conformidade entre a democracia e a lei. Eis o enunciado do valor 1: “A independência judicial é um pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo. Um juiz, consequentemente, deverá apoiar e ser o exemplo da independência judicial tanto no seu aspecto individual quanto no aspecto institucional.”

No caso Apitz Barbera e outros (2008), a corte interamericana de direitos humanos pôs que o juiz deve aparentar agir sem estar sujeito a influência, pressão, ameaça ou intromissão, direta ou indireta, senão única e exclusivamente conforme e movido pelo direito. É tudo o que não se espera de uma prima ou de um afilhado de casamento. A confiança no Judiciário é erodida se o processo de decisão é percebido como sujeito a influências externas indevidas.

A expectativa de vida em 1988 era de 65 anos, e a idade mínima para ingresso nas cortes de 35 anos, a sinalizar a possibilidade de carreira de 30 anos. Os brasileiros hoje vivem 76 anos, a revelar que a idade mínima razoável ao postulante ao cargo de desembargador deveria ser de 46 anos.

Através do voto, a classe pode mudar a norma constitucional, evitando candidatos demasiadamente jovens com o objetivo de concretizar a intenção de heterogeneidade de pensamentos a sustentar o quinto. Quanto menor o tempo de ocupação da vaga, mais rápido outro será recrutado.

Ao menos as teorias da democracia militante e do direito penal de emergência têm causado perplexidade a muitos juristas, modelados com a ideia de separação tripartite dos poderes, que paulatinamente cede espaço ao conceito de conformação das instituições de controle social do estado e privadas. Desaconselhável, pois, entregar o cargo a alguém sob o risco de fossilização.

O IDH do Maranhão está situado entre os do Laos e da Namíbia. Entre 80 países, os estudantes brasileiros ficaram em 54º no PISA, com notas de matemática e ciências abaixo da média. Faz 22 séculos que o aprimoramento da democracia perpassa pela independência da magistratura.

Apelo aos colegas a que não passemos o recibo de subdesenvolvimento institucional, a acrescer aqueles de ordem econômica e educacional, pois não há razão lógica ou histórica a justificar a inclusão dos candidatos Flávio Costa (afilhado) e Ana Brandão (prima) na lista duodécima da OAB.

Daniel na cova dos leões por Peter Paul Rubens, c. 1614–1616.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

TJMA condena Galileu Galilei pela terceira vez



Publicadas as observações siderais em 1610, a robustecer a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico, o Santo Ofício veio a declarar as ideias formalmente heréticas em 1616, quando Galileu Galilei recebeu instruções para abster-se de manter, ensinar ou defender a ideia de que o sol seria o centro do universo. Em 1633, a Inquisição Romana o condenou à prisão indefinida, que durou até a morte em 1642.

Por duas vezes, tragicamente, os interesses das autoridades prevaleceram sobre os argumentos científicos. Algo semelhante ocorreu na quarta-feira passada, quando o plenário do TJMA aprovou uma resolução com vistas a submeter os postulantes às vagas destinadas ao quinto constitucional a uma sabatina, pois este é o léxico constante da proposta da associação dos magistrados.

Surpreendeu que o presidente da corte, um doutor vindo da advocacia, tenha pautado algo tão esdrúxulo, pois em nenhum lugar do planeta bacharéis arguem pós-graduados, mestres ou doutores, justamente às vésperas do encaminhamento da lista sêxtupla pela OAB. A comunidade acadêmica nacional foi desprezada, pois os diplomas emitidos foram postos sob suspeição!

Aspirante a uma vaga no STJ, o atendimento da pretensão corporativa, em detrimento do conhecimento acadêmico e da classe originária, não espanta. Aliás, o que esperar de indivíduo que manda fechar a livraria do advogado? E que não cobra aluguel da sala da associação dos magistrados?

Apesar da negativa do sindicalista, a pretensão da magistratura é tutelar a escolha amplamente democrática da classe da advocacia, pois o antigo modelo de convocação através de visitas a escritórios de conselheiros e a gabinetes de desembargadores foi substituído. A AMMA questionará a respeito de auxílio-livro, moradia, alimentação etc., ou analisará a heterogeneidade de pensamento?

A suposta necessidade de conhecerem melhor os seis escolhidos pela seccional é um pretexto, porque a romaria dos candidatos aos gabinetes dos desembargadores é tão antiga e natural quanto a desembocadura de rio no mar. Constrange lembrar que os magistrados têm o dever de receber qualquer advogado.

Inexistentes o interesse de ascenção funcional e o patrimonialismo característico das carreiras jurídica estatais, valorizados os títulos acadêmicos, e com uma pequena dose de cultura histórica e institucional, o intuito declarado de aperfeiçoamento do recrutamento de novos membros do TJMA seria resolvido de forma epistolar, dialogada e cooperativa.

Bastaria que o chefe do tribunal enviasse as sugestões de perguntas dos colegas ou dos juízes para a presidência da OAB, onde ocorrerá uma sabatina. Solicitar o envio do registro audiovisual da sessão de arguição doméstica seria outra medida simples, especialmente em tempos de julgamentos virtuais.

É absolutamente lamentável perceber que as razões que culminaram com as duas condenações de Galileu Galilei, no século XVII, ainda prosperam. A Igreja diz como se vai ao céu, a ciência descreve o céu. As universidades atestam o notório saber, e os advogados escolhem seus doze nomes ao conselho seccional.

A AMMA defende penduricalhos e sequer abre os portões à comunidade quando promove campanha de vacinação, muito embora os legislativos estadual e municipal digam que tem utilidade pública.