domingo, 16 de abril de 2023

O quinto dos infernos


A provável indicação do advogado Cristiano Zanin para o STF, para ocupar a vaga deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski, está a gerar alguns debates. Homem branco de 47 anos, especialista em direito processual civil, ganhou notoriedade por defender o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos processos relacionados à operação Lava jato. Foi recentemente contratado pelas Lojas Americanas para atuar em litígio da ordem de R$ 1,2 bilhão com o BTG Pactual.

Dividindo a mesa com cinco bilionários do país, para tratar da maior recuperação judicial da história, depois de inocentar alguém que se tornaria presidente da república pela terceira vez, é de se indagar: por que manchar o currículo ocupando uma cadeira no STF? O sonho de todo estudante de direito?

Lívia Sant’Anna Vaz, promotora de justiça da Bahia, mestra e doutoranda, é a afrodescendente mais influente do planeta em 2022, segundo a revista Law & Justice, apoiada pela ONU. A defesa da mulher e da população LGBT, o enfrentamento ao racismo e a pauta de respeito à diversidade étnica e cultural foram decisivos à obtenção do reconhecimento.

São dois profissionais sabidamente corajosos, que sofreram hostilidade por exercerem exemplarmente os papéis institucionais que um estado democrático de direito assegura, e com visões de mundo diametralmente opostas: a frieza do civilista e a militante de direitos humanos. Como resultado do conteúdo das postulações submetidas à administração pública e à atividade judicante, ambos promoveram mudanças políticas e sociais palpáveis, provocando impopularidade.

Criada a vaga do quinto constitucional destinada à OAB, faz mais de ano que condutas e práticas desprezíveis de pré-campanha ser tornaram cotidianas. Patrocínio de arraiais, luais, bailes, tardezinhas etc., em troca da publicação do nome nos banners dos eventos oficiais da Ordem ou Caixa; realização de almoços e jantares para apresentação do perfil; impulsionamento de mensagens motivacionais em redes sociais; panfletagem em mercado...

A plena democratização do processo de recrutamento, com a consulta à classe, é digna de aplausos, mas são evidentes as necessidades de aprimoramento do certame e da fiscalização da sobriedade da pré-campanha. As formações das listas tríplices para a chefia da defensoria ou do ministério público não são comparadas à política ordinária, tampouco as eleições para as associações da magistratura.

Curiosamente, nenhuma impugnação contra candidato colocou os abusos de poder político ou econômico para apreciação do conselho seccional. Sob a perspectiva da coragem, todos os aspirantes são inidôneos para o cargo, pois o temor de postular contra o concorrente evidencia falta de atributo inerente à magistratura, qual seja, a consciência de que o ato de decidir implicará, sempre, na contrariedade de alguém ou de algum interesse.

A substituição da cultura do linchamento físico pelo comportamento de promover o cancelamento pelas redes sociais, impôs um modelo de politicamente correto a ser seguido, cujas consequências são vistas diariamente na lida forense. Pelo portal de notícias do tribunal, inexiste habeas corpus no Maranhão, porque nenhuma concessão é alardeada!

Anulação de processos penais, ordens de soltura ou de substituição de prisão preventiva de acusados de feminicídio ou estupro são praticamente impossíveis, ante a vigilância das redes e mídias sociais. Por isso que a taxa de concessão de habeas corpus a mulheres e homens denunciados por homicídio é substancial.

Pelos critérios da sensibilidade e coragem em matéria (processual) penal, meus votos irão aos estimados: Anna Graziela, Gustavo Vilas Boas, Ítalo Leite, Josineile Pedroza, Riod e Santos Sobrinho, em ordem alfabética.



[1] Aldenor Cunha Rebouças Junior (42), advogado (OAB 6.755/MA e 20.159A/RN)

segunda-feira, 3 de abril de 2023

Desembargador pela OAB: herói, soldado, minimalista ou mudo?

Homologadas as candidaturas para o quinto pela OAB, e por ora vencido o debate acerca da possibilidade de sabatina pelo TJMA, pois não se muda regra no curso da partida, a indagação da comunidade jurídica, da sociedade civil organizada e dos jurisdicionados bole com o perfil ideal para o cargo.

Na formação do TSE e dos TREs, os juristas figuram como representantes do povo, porque são os advogados que lutam ao lado do indivíduo contra o Leviatã sancionador, tributador e limitador das liberdades públicas. O terço do STJ e o quinto dos tribunais estão na linha de promover a livre circulação de ideias, a partir de óticas distintas. Mas a que(m) servirá um advogado alçado ao tribunal?

O jusfilósofo estadunidense Cass E. Sunstein, na obra Constitutional Personae (New York: Oxford University Press, 2015) traça quatro perfis: heróis, soldados, minimalistas e mudos. A decisão colegiada será produto da conformação possível entre os quatro modelos, sendo oportuno sublinhar que nenhum concurso público para a magistratura ou ministério público, nem o exame de ordem, tampouco as faculdades de direito do país identificam ou analisam a tendência dos aspirantes.

Os heróis acham que podem direcionar a sociedade e seus supostos anseios através de decisões judiciais, por isso estão dispostos a usar a constituição para derrubar os atos dos parlamentos federal, estadual e municipal, assim corrigindo a lentidão ou inércia dos demais poderes. A criminalização da homofobia corresponde ao ícone do julgamento heroico.

O que caracteriza um soldado, por sua vez, é a maior deferência ao procedimento parlamentar, cabendo-lhe a concretização da atividade legiferante daqueles politicamente eleitos. Não lhe compete, pois, redefinir os valores presentes na ordem normativa vigente. A súmula vinculante 10 retrata esse perfil, ao impedir que ato do poder público seja ignorado.

Já os minimalistas preferem atuações mais cautelosas, centradas nos casos sob julgamento, por temor de repercussões perturbadoras do processo sociopolítico, cuja agenda de discussão e priorização deve ser respeitada. Os costumes sociais consolidados merecem consideração, por isso impossível o rateio de pensão por morte entre a concubina e a viúva, à míngua de manifestação do congresso.

O quarto perfil é o dos mudos, aqueles que repetem a jurisprudência já existente e evitam alterar fundamentos discursivos. Diante de casos difíceis e dos embates que envolvam posicionamentos mais sensíveis, resignam-se e mantém silêncio. Evitam conceder liminares, para não esvaziar o colegiado, e pedem informações em ações constitucionais e agravos, mesmo nas hipóteses de autos eletrônicos.

A primeira lotação do advogado votado pela classe, encaminhado pelo conselho e TJMA, e nomeado pelo governador será uma câmara criminal, a sinalizar que devem ser evitados os candidatos militantes no direito privado. A ótica é robustecida ao perceber que os desembargadores que ingressaram pela OAB fizeram carreira no direito civil, empresarial e imobiliário.

Nenhuma mulher chegou ao tribunal pelo quinto da OAB. Felizmente há várias candidatas com titulação, serviços prestados à Ordem, magistério, e exercício nas funções legislativa e judicante na disputa. Em ordem alfabética: Anna Graziela, Josineile Pedroza e Lorena Saboya são minhas candidatas. Lamento não poder votar em Débora Cartágenes, nem conhecer suficientemente as demais postulantes.

É possível influenciar e controlar as decisões, reforçando o papel da doutrina, evitando concepções realistas sobre o direito. Prevista nos códigos de processo civil e penal, não há notícia de condenação de juízes ao pagamento das custas quando reclamações são julgadas procedentes. Somente o advogado que sofreu com multa por suposta litigância de má-fé, ou abandono, cogitará impor o fel ao concursado.

Espera-se que colegas que tiveram suas prerrogativas violadas, seus escritórios devassados, e sua liberdade ambulatorial tolhida tenham maior sensibilidade ao decidir o pedido urgente em habeas corpus. O CPP, os regimentos internos do STF e do STJ, e a lei de abuso de autoridade autorizam a concessão liminar e monocrática da ordem, mas ninguém da magistratura capitaneia o câmbio paradigmático.

As obras do hospital da mulher se arrastam por longos anos, a indicar que o início da construção do primeiro hospital veterinário de São Luís deveria aguardar a conclusão do nosocômio feminino. Cheios de penduricalhos, ninguém da magistratura, nem do ministério público, tampouco da defensoria pública se insurgiu contra a evidente inversão de prioridade na aplicação de verbas escassas.

Que cada advogada e advogado perceba a importância de votar em colegas que efetivamente introjetem no tribunal a visão que o cidadão possui, não cedendo a sugestões de membros das demais carreiras.



[1] Aldenor Cunha Rebouças Junior (42), advogado (OAB 6.755/MA e 20.159A/RN)

Advogado é imune a sabatina por tribunal

Aberta a vaga do quinto constitucional destinada a OAB/MA, pulularam opiniões a respeito do perfil, faixa etária, reputação e sabedoria do novo desembargador, alguns a propor a realização de sabatina, audiência pública ou congênere perante o tribunal de justiça – TJMA. Reino Unido, Portugal, Espanha e Itália também selecionam juristas para a magistratura.

As faculdades de direito, os institutos, o conselho federal da OAB e o congresso nacional são os foros adequados para os debates, discussão e votação dos eventuais ajustes necessários ao recrutamento de advogados para as cortes. Fora daqueles ambientes, magistrados devem ser solenemente ignorados.

A confiança do público no poder Judiciário, e a autoridade moral do tribunal são resultados diretos da conduta individual e coletiva dos magistrados, dos quais não se espera usurpação de atribuição legislativa, nem intromissão institucional [Baker v. Carr (1962) 369 US 186]. Os princípios de Bangalore têm mais de 20 anos!

Desde a Constituição do Império de 1824 que o direito público nacional é regido pelo princípio da legalidade. É necessária atividade legiferante do parlamento para que a administração tenha autorização para fazer alguma coisa, ou seja, o TJMA não pode sabatinar advogado, à míngua de previsão constitucional ou legal.

A proposta exótica ganha dois contornos teratológicos ante a constatação de que as indicações para o STF, STJ e CNJ: (i) passam pelo senado federal e; (ii) incluem os membros do ministério público e os integrantes da carreira da magistratura. Se fosse exigida a sabatina, competiria à Casa do Povo e não ao TJMA.

Ninguém do ministério público compõe os TREs, nem o TSE, uma sinalização eloquente da Constituição Federal de que a carreira da advocacia possui maior importância democrática, pois ocupa 2/7 dos espaços. Logo, não há justificativa idônea para poupar os procuradores de justiça ao ritual degradante da sabatina.

O que permite o aparecimento do estado moderno é a divisão do trabalho, além da monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada, admite-se que todos cumpram as mesmas funções. Enquanto professores e congressistas labutam, o silêncio e a concentração sobre os acervos processuais são de rigor a juízes e desembargadores, pois.

Aferida a existência dos requisitos objetivos exigidos do candidato a desembargador, e formado o sexteto pela OAB, é na reserva mental por ocasião da redução da lista para tríplice, que a manifestação subjetiva e discricionária da Corte deve ser conhecida. Conquanto possível, a recusa expressa a algum dos seis nomes exige fundamentação complexa, dada a presunção de veracidade e de legitimidade do ato administrativo da OAB.

Separadas as funções de acusar (MP), julgar (magistratura) e defender (advocacia), a heterogeneidade de visões do mundo jurídico aflora como justificativa para o recrutamento de juristas para as cortes.

Espera-se, portanto, que os desembargadores aguardem o seu momento constitucional de manifestação, e que os votos da classe e do conselho seccional não sejam sugestionados por integrantes de nenhum dos poderes.



[1] Aldenor Cunha Rebouças Junior (42), advogado (OAB 6.755/MA e 20.159A/RN)

OAB entoa Bella Ciao contra a AMMA

 

A presente heterogeneidade da advocacia, como resultado da abertura de novas faculdades de direito e do sucesso de programas de inclusão da educação superior (ProUni e FIES), determinou a democratização da formação da lista sêxtupla para os tribunais locais, outrora circunscrita aos crivos do conselho da OAB e da corte. Pela primeira vez na história, a classe será ouvida.

Na quarta-feira (1º/3), dois desembargadores recém alçados ao tribunal, ambos ex-presidentes da associação dos magistrados (AMMA), realizaram críticas ao estilo e forma de algumas campanhas inominadas. O atual presidente endossou-as, profanando a tribuna destinada à advocacia e sem usar veste talar!

Por razão desconhecida, o Instituto dos Advogados do Maranhão (IAMA), a Associação Maranhense dos Advogados (AMAd), a Academia Maranhense de Letras Jurídicas (AMLJ), e a Academia Maranhense de Cultura Jurídica, Social e Política (AMCJSP) deixaram de prestar congratulações e encômios aos desembargadores que, em silêncio, respeitaram a classe da advocacia.

Vencido um quinto do século XXI, é constrangedor lembrar aos magistrados o lugar que lhes compete num estado democrático de direito. Opinar sobre processo seletivo a cargo da OAB não é um deles, tampouco sugestionar qual seria o perfil ideal ou a faixa etária do aspirante, nem repudiar alguém em razão do patrocínio a um político, ou por haver recebido manifestação favorável de outro.

Cantemos ‘Bella Ciao”, advogadas e advogados, o hino da liberdade e da resistência contra quem não tem atribuição constitucional, muito menos legal, de tutelar a classe profissional. Abaixo algumas razões para desprezar as opiniões.

Magistrados servem a escrever despachos, interlocutórias, sentenças e votos, além da verbalização nas sessões. Houve chapada violação ao art. 36, III, da LOMAN, que veda a manifestação sobre questão que será apreciada futuramente, ressalvada a hipótese do magistério.

As falas foram impertinentes, porque o tema não constava da pauta de processos administrativos ou jurisdicionais da sessão. Por outro lado, beira o surreal que membros de uma corte formada esmagadoramente por meros bacharéis, vitupere contra um processo seletivo a contar com mestres e doutores, dos mais variados ramos da ciência jurídica.

A figura do decanato remonta ao século IV, e aliada à estrutura administrativa do tribunal sinaliza que caberia ao presidente, ou aos vice-presidentes, ou ao decano da Corte eventual pronunciamento sobre matérias relevantes, notadamente aquelas que possam gerar atrito institucional. Oxalá que os novatos lembrem das aulas de direito romano e administrativo.

Os advogados e cidadãos presentes à sessão não foram ouvir a opinião pessoal e isolada de dois ex-presidentes da AMMA, nem do seu atual mandatário, mas receber a prestação jurisdicional devida ao custo dos tributos, e que deve ocorrer sem dilações indevidas. Foram inconvenientes, portanto, para dizer o mínimo.

O diálogo institucional necessário e que preserva a harmonia é o realizado entre os chefes do TJ e da OAB, ainda que por videoconferência, chamada ou mensagem de WhatsApp, bem suficientes a transmitir as preocupações dos desembargadores ao presidente da OAB, sem denotar a tentativa nociva, malsã e insalubre de ingerência sobre a escolha dos seis nomes pela seccional.

Bella Ciao, Bella Ciao... os dois ex-presidentes da AMMA e o atual obtiveram licenças remuneradas enquanto perduraram seus mandatos à frente da entidade corporativista, desfalcando a atividade jurisdicional do estado paupérrimo da federação, nunca dispensaram o recebimento do auxílio-moradia de R$ 4,3 mil, e ainda propuseram a criação de um auxílio-livro, felizmente suspenso pelo CNJ.

A instituição do juízo de garantias está suspensa desde 22/1/2020, por liminar do min. Luix Fux, não havendo previsão da submissão da decisão ao referendo do plenário. A min. Rosa Weber não pautou o tema para o primeiro semestre desse ano. Magistrados de carreira e integrantes da associação de classe requerente, esperava-se que firmassem suspeição, mas...

A sociedade civil não tolera mais arcar com penduricalhos de magistrados, tampouco coadunam com férias de 60 dias, veículos oficiais, motoristas e aposentadoria compulsória como pena máxima por corrupção. A importância do quinto constitucional pela OAB é justamente levar ao tribunal uma mente avessa ao patrimonialismo e autoritarismo da carreira judiciária.

Instituído por uma liminar concedida pelo min. Luiz Fux, em 15/9/2014, o auxílio-moradia da magistratura arrombou os cofres públicos em R$ 6 bilhões, até ser revogado em 26/11/2018. Nenhum juiz ou desembargador maranhense manifestou preocupação com o impacto orçamentário imediato, nem criticou a eternidade de uma liminar vigente por quatro anos. Os advogados reclamaram!

Dados do CNJ do ano de 2021, a respeito do índice de concessão de habeas corpus por ministro, apontam uma ampla margem dos oriundos da carreira da advocacia: Gilmar Mendes, 17,6%; Edson Fachin, 15,2%; Cármen Lúcia, 10%; Ricardo Lewandowski, 6,4%; Dias Toffoli, 5,4%. Os magistrados de carreira: Rosa Weber, 5,3% e; Luiz Fux, 0,0%. Bella Ciao, Bella Ciao...

Eis o compromisso da advocacia com a liberdade e o devido processo legal!

Às faltas de autoridade acadêmica e moral, e das predisposições mentais obviamente díspares, o silêncio respeitoso do TJ quanto ao processo seletivo do quinto da OAB serviria a demonstrar um mínimo de comprometimento com a melhoria da produtividade, pois ocupa a 22ª colocação entre os vinte e sete do país.

Adicionalmente, há uma quantidade inexplicada de autos em segredo de justiça, inclusive habeas corpus distantes das questões de família ou violência doméstica, sem justificativa legítima, pendentes de despacho de levantamento. A transparência dos gabinetes é fundamental a inspirar a confiança dos jurisdicionados.

Sob o ângulo administrativo, o art. 8º da constituição estadual denomina o acidente geográfico onde situada a capital do estado de ilha de Upaon-Açu, no entanto, o código de divisão e organização judiciária prestigia a freguesia de São Luís, e menospreza os municípios de Raposa, São José de Ribamar e Paço do Lumiar.

É tempo de encaminhar a proposta de lei complementar à assembleia legislativa, no mínimo para que os estudantes do fundamental agradeçam o respeito ao conhecimento geográfico. A presidência da OAB certamente aplaudirá a iniciativa.

A OAB sofreu um atentado a bomba por combater o regime militar, agora é hora de entoarmos Bella Ciao para repelir investida da parte corporativista da magistratura, que não passa de simulacro de técnica, eficiência e moralidade.

É a advocacia que promove as conquistas civilizatórias!

Boa votação e nunca, em tempo algum, jamais ouça o conselho de um juiz de carreira.



[1] Aldenor Cunha Rebouças Junior (42), advogado (OAB 6.755/MA e 20.159A/RN)