sexta-feira, 17 de junho de 2011

O IPTU e a visita da Virgem ao Tribunal

(Publicado na edição de 05/06/2011 do jornal O Estado do Maranhão)

Dia 23 de maio a seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MA) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) contra a Lei Municipal nº 5.392/2010, que instituiu a Planta Genérica de Valores (PGV) – base do cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) –, alterando os valores do IPTU 2011 de São Luís, perante o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA).
Dois dias depois, 25 de maio, o Pleno do TJMA, sustentando a necessidade urgente de análise do caso, pois o vencimento do IPTU ocorreria no dia 30, convocou uma Sessão Extraordinária para as 16:00h do dia 26 de maio. A decisão veio após o relator do processo informar que ainda não havia estudado a matéria, o que o impediria de se manifestar sobre o assunto durante a plenária do dia 25.
Realizada a Sessão Extraordinária no dia 26 de maio, o Pleno do TJMA deferiu a medida liminar para suspender os efeitos da norma impugnada, até o julgamento de mérito da ADIn, invalidando, na prática, os carnês de cobrança do IPTU 2011 emitidos pela Prefeitura de São Luís. Dos 24 desembargadores, 14 acompanharam o relator pela concessão da liminar, três se posicionaram contra e outros seis não votaram: 2 por estarem em gozo de férias; 3 ausentes justificadamente e; o presidente da sessão.
A decisão foi manchete dos jornais impressos, digitais e televisivos do dia 27 de maio, em regra comemorando a vitória dos contribuintes contra a voracidade arrecadatória municipal. Ficará a cargo da comunidade científica a análise do (des)acerto jurídico de um tribunal onde a maioria ostenta o mero bacharelado em Direito e que se ressente de mestres ou doutores em Direito Constitucional ou Tributário, segundo informações constantes do sítio do TJMA.
A celeridade processual do TJMA merece aplausos de pé, afinal de contas apreciou a liminar em meros três dias. Assustador é constatar que a enorme quantidade de Habeas Corpus (nenhum firmado pelo autor), cujo objetivo é proteger ou devolver o direito (per)ambulatório, impetrados há mais de três dias, não seja motivo suficiente para que as câmaras do TJMA convoquem uma Sessão Extraordinária. Parece que julgar imposto é mais relevante que analisar a liberdade de ir, vir e estar das pessoas.
A galhardia jornalística e popular embaçou o atestado de completa ineficiência do Ministério Público e da OAB/MA, a última com a atenuante de haver ingressado com a ADIn uma semana antes do início da cobrança do IPTU 2011. A Lei Municipal que modificou o imposto foi publicada ano passado, ou seja, o Ministério Público ou a OAB/MA poderiam, pelo menos desde 02 de janeiro de 2011, provocar o TJMA para suspender a cobrança do IPTU 2011.
O pecado do Ministério Público foi permanecer inerte, olvidando-se que sua missão constitucional de Fiscal da Lei não lhe outorga a mera faculdade de agir, mas verdadeiramente o dever de agir. Por outro lado, sendo discurso da OAB o zelo pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas, deveria ter agido rapidamente, a fim de evitar que a Prefeitura de São Luís pagasse pela emissão e entrega de carnês de cobrança do IPTU que, agora, não terão qualquer serventia.
A omissão do Ministério Público e a lerdeza da OAB vitimaram o TJMA e o Erário ludovicense diretamente, e os munícipes, indiretamente. A Corte se viu pressionada a julgar matéria tributária, antes de poder analisar a (i)legalidade da prisão de vários cidadãos. A Fazenda Municipal, por seu turno, gastou recursos para imprimir e postar boletos inúteis, o que significa desperdício de dinheiro público.
O caso é emblemático e revela que o exercício tardio do direito de ação causa prejuízo financeiro, quiçá maior que o dano jurídico que a ação visa proteger. A escassez de recursos públicos impõe aos operadores do direito a tarefa de calcular os custos provenientes da resposta judicial.
No mês de maio, é tradição na religião católica a peregrinação da imagem da Virgem Maria às repartições públicas. No dia 27, um dia após o julgamento do IPTU 2011, foi a vez do Tribunal de Justiça receber a imagem. A mãe de Jesus Cristo, assim como qualquer outra, certamente diria: “Filhos, cogitai a liberdade de vossos irmãos, antes de pensarem em aliviar os seus bolsos dos tributos de César. Filhos, não endossais o desperdício de dinheiro público, pois os enfermos dele necessitam.

Vale Brasil(eira)

(Publicado na edição de 24/05/2011 do jornal O Estado do Maranhão)

Está previsto para o dia 22 de maio, no terminal da Vale em Ponta da Madeira, em São Luís (MA), o primeiro carregamento do maior navio graneleiro do mundo. Trata-se do “Vale Brasil”, com capacidade de carregar 400 mil toneladas, o primeiro das sete embarcações encomendadas ao estaleiro sul coreano Daewoo Shipbuilding pela mineradora Vale. Outros 12 navios com igual capacidade estão contratados com o estaleiro chinês Rongsheng Shipbuilding.
O total do contrato coreano é da ordem de US$ 748 milhões, enquanto a compra chinesa totaliza US$ 1,6 bilhão. O Export-Import Bank of China e o Bank of China concederam um financiamento de US$ 1,229 bilhão, com pagamento ao longo de 13 anos, para a construção dos 12 navios encomendados ao estaleiro sínico, que receberão o nome de Chinamax quando estiverem prontos.
Enquanto os acionistas da Vale comemoram o lucro de R$ 30,1 bilhões em 2010 e de R$ 11,29 bilhões no primeiro trimestre de 2011, conforme informações da mineradora, os maranhenses e demais brasileiros que forem testemunhar o primeiro carregamento não poderão estufar patrioticamente o peito. É que a bandeira que está hasteada no “Vale Brasil” é a de Singapura, local de registro da embarcação.
Ninguém verá a bandeira brasileira tremulando no navio e a mesma decepção se repetirá nos primeiros carregamentos dos outros 18 supergraneleiros comprados pela Vale naqueles países asiáticos. Ao tempo das contratações, a decisão da mineradora foi fortemente criticada pelo ex-presidente Lula, que defendia a prioridade da contratação dos estaleiros brasileiros. A Vale alegou que o preço de US$ 236 milhões, por unidade, e o prazo de entrega para 2015 inviabilizaram a contratação do Estaleiro Atlântico Sul, situado em Pernambuco, pois o preço asiático não chegava a US$ 110 milhões por navio e o prazo de entrega findava em 2013.
Os noticiários se ocuparam exclusivamente da tensão entre as razões do Estado brasileiro e a insaciável fome de lucro dos acionistas de uma companhia dita brasileira, não percebendo que o episódio trazia como pano de fundo o esforço do governo brasileiro para conter o (ab)uso do Capitalismo de Estado praticado pela China e Coréia. O Capitalismo de Estado é uma forma de capitalismo em que determinado país elege algumas empresas para dominar setores econômicos, com o intuito de gerar riquezas que serão direcionadas da maneira que os políticos bem entendam. O Estado, assim, participa do mercado mirando principalmente ganhos políticos, não econômicos, como adverte Ian Bremmer (O fim do livre mercado).
Se analisarmos a cena a partir do princípio lucrativo do Capitalismo de Mercado, a mineradora agiu corretamente, pois os preços asiáticos eram mais baixos que os nacionais e o prazo de entrega mais curto para a geração de lucro aos seus acionistas. Porém, se mudarmos as lentes para o Capitalismo de Estado, a Vale atendeu aos interesses chineses e coreanos, contra o Estado brasileiro, uma vez que o fortalecimento da indústria naval, a geração de empregos, renda e tributos ocorreram lá, e não aqui.
A China não fez a mínima questão de esconder sua intenção imperialista, pois os dois bancos que concederam o financiamento à Vale possuem somente o Estado chinês como acionista! Ou seja, mesmo os juros do empréstimo reverterão em favor da maximização do poder do Estado sínico. Deve ser por isso que os navios lá produzidos serão batizados de Chinamax.
Do ano passado para cá a Vale lucrou mais de R$ 41 bilhões. A opção de contratar os estaleiros brasileiros, ainda que com custo maior que o dobro das asiáticas, revelaria o compromisso da empresa com os objetivos do Estado brasileiro. Se o minério é brasileiro, parte da riqueza por ele gerada deve ficar aqui.
No período que se seguiu à descoberta do território brasileiro por Portugal, durante boa parte do século XVI, o vocábulo "brasileiro" foi dado aos comerciantes de pau-brasil, designando exclusivamente o nome da profissão. No entanto, desde muito antes da independência do Brasil, já era comum se atribuir o gentílico "brasileiro" a uma pessoa nascida ou residente na então colônia (Wikipedia).
A decisão da Vale, do ponto de vista patriótico, foi um desastre! E se isso continuar, talvez o mundo esqueça que somos brasileiros e tenhamos que atender por “minereiros” ou “ferreiros”. Já temos o navio Vale Brasil, agora precisamos de uma Vale brasileira, verdadeiramente.

Piratas & Imperadores: antigos e modernos

(Publicado na edição de 29/03/2011 do jornal O Estado do Maranhão)

O título do artigo foi tomado emprestado do livro homônimo de Noam Chomsky, escrito em 1986 e ampliado em 1990, 1991, 2001 e 2002. O prefácio e o capítulo 3 foram escritos em 1986, mas caem como uma luva aos dias de hoje. Por hoje entenda-se o interregno do dia 17 a 22 de março de 2011, quando o presidente americano desembarcava no Chile e seus caças bombardeavam a Líbia, governada(?) por Muammar Gaddafi.
Barack Obama recebeu um disparo de Fidel Castro ainda a bordo do Air Force One, antes de pisar em Santiago: os EUA pedirão desculpas por apoiar o golpe militar chileno de 1973, quando Pinochet derrubou Allende? A resposta de Obama foi a esperada: olhar o futuro e esquecer o passado.
Sucede que com o passar do tempo os papéis diplomáticos secretos vem a público e os anais da História passam a registrar que os americanos, através do Pentágono, CIA ou Departamento de Estado, modificaram o rumo da política interna de vários países: apoio ao golpe militar da Argentina (1976); envolvimento na Operação Condor (1976-80), cujo fim era capturar e executar opositores políticos na Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia; assistência aos militares de El Salvador (1980); apoio financeiro, logístico e militar aos Contras, para derrubar o governo da Nicarágua (1981); bombardeio e invasão a Granada (1983). Foram ações terroristas para conter a “ameaça comunista” e evitar o surgimento de uma segunda Cuba no continente americano.
Às 19:00h do dia 14/04/1986, horário oficial americano, há quase 25 anos, ocorreu o primeiro bombardeio da história preparado para ser exibido no horário nobre da TV, a hora em que as três maiores redes de televisão dos EUA transmitem seus noticiários. O alvo foi a Líbia, ditada pelo mesmo Muammar Gaddafi, o supremo modelo de país terrorista segundo os EUA a época (Chomsky). A razão: Gaddafi assassinara dissidentes em março/1986 – tal como hoje – e, de quebra, teria promovido um atentado a discoteca La Belle, em Berlim, vitimando dois sargentos americanos e ferindo 230 pessoas, em 05/04/1986.
Em 1988 ruiu o Muro de Berlim, o capitalismo triunfou e o último prego posto no caixão do comunismo foi o esfacelamento da União Soviética. Permaneceu vivo o terrorismo e, desde o 11 de setembro de 2001, ele passou a ser islâmico. Em 2003 os EUA invadiram o Iraque, sem autorização da ONU, sob o pretexto de buscar e inutilizar armas de destruição em massa que poderiam ser fornecidas a terroristas, contudo, em 2004, o presidente Bush mudou o discurso e passou a sustentar que a ocupação visava implantar a democracia naquele país islâmico. Era o embrião do movimento Primavera Árabe.
A política externa americana percebeu que não poderia reeditar as Cruzadas – ofensivas militares por motivos religiosos – por isso usou os argumentos embusteiros de “guerra ao terror” e “implantação da democracia”, para maquiar sua pirataria a poços de petróleo e gás sob controle de imperadores opressores como Gaddafi. As mesmas táticas dos anos 70 a 80 foram aplicadas hoje como adubo para o florescimento da Primavera Árabe, ou seja, apoio financeiro, logístico e militar aos “populares”, para derrubar imperadores como Ben Ali (Tunísia), Hosni Mubarak (Egito), Adbullah Saleh (Iêmen), Assad (Síria), Khalifa (Bahrein), Bashir (Sudão), Abdallah (Arábia Saudita), Mohammed VI (Marrocos), dentre outros, curiosamente ao mesmo tempo. Tomara que o WikiLeaks publique a artimanha.
Voltando ao escrito no prefácio de Chomsky, de 1986: “Santo Agostinho conta a história de um pirata capturado por Alexandre, o Grande, que lhe perguntou: ‘Como você ousa molestar o mar?’ E como você ousa desafiar o mundo inteiro?’, replicou o pirata. ‘Pois por fazer isso apenas com um pequeno navio, sou chamado de ladrão; mas você, que o faz com uma marinha enorme, é chamado de imperador.’”
Ainda em homenagem a Chomsky: “A resposta do pirata foi ‘excelente’, observa Santo Agostinho. Ela ilustra com exatidão as relações atuais entre os Estados Unidos e vários outros atores no palco do terrorismo internacional [...] A história de Santo Agostinho amplia e ajuda a esclarecer o significado do conceito de terrorismo internacional”.
Conclusão: Barack Obama e Muammar Gaddafi se merecem. São imperadores, piratas e terroristas; Obama impera no Ocidente, Gaddafi na Líbia; Obama quer piratear os poços de petróleo e gás da Líbia; Gaddafi pirateia a liberdade do povo líbio. E para controlar o ouro negro, ambos são terroristas!

A Era Wiki Wiki

(Publicado na edição de 15/03/2011 do jornal O Estado do Maranhão)

Segundo a Wikipédia, o termo “Wiki Wiki” pertence ao idioma hawaiano e significa extremamente rápido. As confirmações acadêmica e política do significado vieram quando Karl-Theodor zu Guttenberg perdeu o título de Doutor em Direito, em 22 de fevereiro de 2011, e renunciou ao cargo de Ministro da Defesa da Alemanha, dia 1º de março seguinte, tudo por conta de bombardeio iniciado em 16 de fevereiro passado, por plágio em seu trabalho de doutorado.
No Brasil ocorreu algo parecido, embora bem mais lento, conforme a reportagem “O plágio na era digital”, constante da Revista Veja de 02/03/2011. Segundo a publicação semanal, um doutor em bioquímica foi demitido da Universidade de São Paulo (USP), após um ano de investigação da comissão de ética da USP, por cópia de imagens e gráficos que circulavam livremente pela internet.
A existência do site GutenPlag Wiki, criado para documentar e tornar público o plágio, e a circulação de uma carta-protesto da comunidade científica que logrou chegar às mãos da chanceler Merkel, foram decisivas para colocar o outro Guttenberg alemão na história. Se Johannes (re)inventou a Era da Imprensa no século XV, Karl evidenciou o desdobrar da Era Wiki Wiki hodierna.
Enquanto a página virtual era alimentada, o Judiciário alemão cobrava do governo coerência e “clareza de posição”, segundo noticia o Portal Terra, como se fosse tarefa de magistrado opinar sobre matéria de Defesa Estatal! No outro flanco, os cientistas que abandonaram os laboratórios, tubos de ensaio e microscópios para interferir na condução governamental.
Ninguém duvida que é maravilhoso, rápido e barato viajar a qualquer lugar a bordo do Google Maps, contudo a face apocalíptica da Era Wiki Wiki é que a definição dos papéis dos órgãos estatais e da sociedade organizada está cambiando para algo sem contornos bem delineados e, pior, imprevisível.
Cientistas e juízes se entrincheirando para cobrar a saída de um Ministro da Defesa, sem a instauração de qualquer procedimento que garantisse o lídimo direito de defesa do indivíduo, revela o atual desapreço pelos ideais da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), cujo espelho é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. No caso brasileiro, pelo menos houve uma comissão de ética, a punição só chegou um ano depois e a matéria ficou restrita ao meio universitário.
A caçada ao ciberativista australiano Julian Assange, fundador da página virtual WikiLeaks onde estão publicados mais de 250 mil documentos diplomáticos americanos, por crimes sexuais na Suécia, lhe rendeu o título de primeiro preso político da Era Wiki Wiki e originou o Anonimous, um exército de hackers de todas as partes do mundo, que se uniram para realizar ataques cibernéticos contra todas as empresas e governos que passaram a boicotar ou dificultar o funcionamento, acesso e manutenção do WikiLeaks.
A guilhotina de ferro que vitimou o rei francês Luís XVI não é diferente do GutenPlag Wiki que defenestrou o ministro alemão Guttenberg. As vidas de pessoas reais estão à mercê de páginas virtuais. Condenações reais tomam lugar com base em acusações eletrônicas. Ideais em declínio, exércitos em ação, batalhas iniciadas, prisões políticas, magistrados se intrometendo em outros círculos de poder, cientistas travestidos de políticos, todos indicadores de que a gestação de uma nova Revolução está em curso.
Tomara que os conflitos se mantenham puramente virtuais ou, no máximo, que se atirem somente frutas, preferencialmente kiwi, pois, caso contrário, o apocalipse daquela Bíblia que Johannes começou a imprimir no século XV, será finalizado por seu conterrâneo Karl, igualmente Guttenberg.
Mas há o que comemorar! Os sítios virtuais GutenPlag Wiki e WikiLeaks constituem provas contundentes que as ações de indivíduos solitários, protegidos pela tela do computador, são suficientes para constranger governos, desmascarar autoridades e destruir títulos outorgados pelas mais respeitáveis instituições universitárias.
Viva a Era do indivíduo com poder político de alcance internacional!

Judiciário: o Poder xerife

(Publicado na edição de 11/12/2009 do jornal O Estado do Maranhão)
No embate Itália contra Cesare Battisti, não importa quem vença: o Brasil perdeu. Além da falta de coerência do Supremo Tribunal Federal e da mácula à harmonia entre os Poderes, o julgamento revelou à comunidade internacional a hipertrofia judicial, em prejuízo do Sistema de Freios e Contrapesos proposto por Montesquieu, mais conhecido como a Teoria da Separação dos Poderes.

Contra os próprios precedentes, o STF fulminou, pelo placar de 5 a 4, ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político ao ex-ativista italiano. Até então, a Corte sustentava que “o reconhecimento administrativo da condição de refugiado, enquanto dure, é elisiva, por definição, da extradição”, pois se “reserva ao Poder Executivo [...], por atribuição constitucional, a competência para tomar decisões que tenham reflexos no plano das relações internacionais do Estado.” (Ext 1008).

Notícia do dia 18 de novembro, veiculada no Portal do STF, informa que “os ministros passaram a analisar se o presidente da República seria obrigado a cumprir a decisão do STF e entregar Battisti ao governo italiano, ou se teria algum poder discricionário [...] para decidir a questão, como chefe de Estado. Por cinco votos a quatro, os ministros entenderam que o presidente tem poder discricionário para decidir se extradita ou não Cesare Battisti. “Vale lembrar que em 12/06/2008, por unanimidade, o STF disse que “se deferida [a extradição], a entrega do súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do Presidente da República.” (Ext 1114).

Battisti foi julgado sob o império da mesma Constituição e das mesmas Leis em vigor ao tempo da decisão unânime, no sentido de que caberia ao Presidente a entrega (ou não) do extraditando ao Estado requerente. Se parecer pouco, a composição do tribunal também era idêntica. Tanto indica que o direito é também um fenômeno lingüístico e não natural, pois a interpretação das mesmas normas, pelas mesmas pessoas, pode conduzir a resultado distinto.

Em um julgamento desastroso para as instituições brasileiras, o Supremo desafiou suas próprias decisões, encarnou a figura de Ministro da Justiça e, por pouco, não disparou uma ordem ao Presidente da República! Esqueceu-se da coerência, minimizou a harmonia entre os Poderes e quase usurpa para si função do Executivo.

Quatro ministros mudaram de idéia em pouco mais de um ano, por quê? Seria porque “O Supremo [...] é cúpula de Poder e exerce papel político”, como afirmou sem hesitar, dia 06 de novembro, a ministra Carmem Lúcia? Isso implica alinhamento a uma corrente ou grupo ideológico, o que conflita com a neutralidade imanente ao ideal de Justiça e condena o direito a servir de camuflagem a convicções políticas e pessoais.

Essa explicação do câmbio repentino e incoerente de posição acena a possibilidade de que o empenho dos ministros é no sentido de convencer o auditório de que suas decisões são legais e justas. Assim, o discurso jurídico não passa de justificação da vontade política ou pessoal dos magistrados!

Dia 16 de novembro, o sítio do STF noticiou uma “questão de ordem pendente de julgamento desde 1990”, ou seja, aquela Corte é devedora da prestação jurisdicional por 19 anos. Menos tempo foi suficiente para que o próprio STF declarasse “o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas”, porque “Passados mais de 10 anos, não foi editada a lei complementar federal” (ADI 3682).

Enquanto Battisti banca o Robin Hood spaghetti, o STF encarna o Xerife de Nottingham. Não tem compromisso com o que proclama, transforma-se em Ministro da Justiça, decide se manda (ou não) no Presidente, chama a atenção do Legislativo e fixa prazo para ser cumprido por todos, excluindo a si mesmo.
Se ninguém tem poder de mando ou é capaz de exortar o Supremo, então temos a ditadura da toga. E o mais grave, não há possibilidade de impeachment para os membros do Poder Judiciário e os mandatos só acabam quando completam 70 anos. Seria o caso de ressuscitar o Poder Moderador?

Mandato para Ministro e Desembargador

(Publicado na edição de 21/11/2009 do jornal O Estado do Maranhão)

Dia 4 de novembro de 2009, a Assembléia Legislativa criou mais três vagas de desembargador para o Tribunal de Justiça, que passará a ter 27 membros. Duas vagas serão preenchidas por juízes de carreira e outra pela OAB, que elaborará lista sêxtupla a ser submetida ao crivo dos desembargadores para se tornar tríplice. A governadora, então, nomeará um dentre os três candidatos avalizados pela Corte.

Dois dias depois, dia 6 de novembro, ao participar do evento Diálogos com o Supremo, na FGV Direito Rio, a ministra Carmem Lúcia, do STF, defendeu mandato de 9 a 12 anos para ministro da mais alta Corte de Justiça do país.

Na Câmara dos Deputados, tramita a PEC 342/09 no sentido de limitar o exercício do mandato em 11 anos. "A proposição parte da premissa de que é inerente à noção de República a alternância no exercício das funções políticas", explica o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), ex-juiz federal. A idéia de mandato para os magistrados não é nova e consta da Constituição Cidadã, pois os juízes dos Tribunais Regionais Eleitorais servirão por 2 anos, com direito a uma recondução, o que totaliza 4 anos de judicatura.

Mas é só! A marca do Judiciário brasileiro é que desembargadores estaduais, federais e do Trabalho, assim como os ministros dos Tribunais Superiores, uma vez nomeados, permaneçam nos cargos até os 70 anos, quando são aposentados compulsoriamente. Empossado dia 23 de outubro passado, José Antonio Dias Toffoli, mais recente ministro do STF, poderá ficar no cargo por quase 30 anos consecutivos.

De dois em dois anos a população é chamada para eleger o chefe do Poder Executivo ou os membros do Poder Legislativo, contudo, não há qualquer tipo de participação popular para a escolha de chefe ou membro do Poder Judiciário. Além disso, os prefeitos, os governadores, o presidente, os vereadores, os deputados e os senadores têm mandato definido entre 4 a 8 anos, enquanto que os magistrados são quase vitalícios, pois podem continuar no poder até os 70 anos de idade.

O Judiciário é o menos democrático dos Poderes da República, seja porque o cidadão não exerce qualquer papel na escolha dos magistrados, seja porque é o único onde a Alternância de Poder é exceção. E o mais grave, o sítio Consultor Jurídico noticiou, dia 10 de novembro, que a pesquisa Índice Latino-Americano de Transparência Orçamentária indica que o Poder Judiciário é o menos transparente no Brasil!

Quando pipocaram as notícias sobre a possibilidade de um terceiro mandato ao presidente da República, a monarquia da toga rapidamente reagiu afirmando: “fere o princípio republicano” (Gilmar Mendes) ou; “fragiliza a República” (Carlos Britto); ambos ministros do STF. O presidente da OAB, Cezar Britto, disse: “A alternância de poder é um dos pilares da democracia. A hipótese de se prorrogar mandatos não é compatível com o princípio democrático.”

Magistrados, congressistas e advogados são uníssonos em sustentar que a alternância de poder é um dos pilares da Democracia, sem o qual o princípio republicano resta ferido ou fragilizado. Se isso for verdade, os Poderes Executivo e Legislativo são republicanos e democráticos por excelência, pois os mandatos têm termo pré-fixado, o povo participa da escolha e o orçamento é transparente; sobra ao Judiciário encarnar e manter a tradição monárquica, onde a população é alijada, a vitaliciedade impera e o gasto público é marcado pela opacidade.

Uma reforma constitucional tendente a estabelecer mandatos para ministros e desembargadores implantaria a alternância de poder na magistratura e aproximaria o Poder Judiciário do ideal republicano e democrático. A transparência orçamentária é tarefa fácil, o difícil será eliminar a tradição despótica de eleição entre os próprios pares, sem qualquer forma de participação dos cidadãos, numa espécie de aristocracia da toga. Atribui-se a Winston Churchill a seguinte assertiva: “A democracia é o pior dos regimes políticos, exceto todos os outros.” É preferível um Judiciário aristocrático a uma monarquia togada.