Fatos e (con)textos das (nossas) barbáries de uma semana
Em São Luís, uma escola pública foi completamente depredada, como se as taxas de analfabetismo, inclusive funcional, fossem algo a ser comemorado, ou como se as receitas do poder público não estivessem deficitárias, (também) como um reflexo da crise econômica, e houvesse dinheiro sobrando para a reforma. Para quem acreditou que uma escola fosse tão sagrada quanto um templo religioso, foi difícil acreditar na versão do secretário de educação, de que a barbaridade decorrera da falta de vigilância do local. Alguém apresentará orgulhosamente o passaporte brasileiro, enquanto precisarmos vigiar escolas?
Também na capital maranhense, um movimento político pacífico, conclamando a população para um protesto a ocorrer no dia 13/06/2016, contra a atual presidente da República, teve o boneco “Pixuleco” destruído por simpatizantes ou militantes do partido que exerce o poder, com o apoio e a participação de secretário de Estado. Por ironia, a violência contra um movimento é a mesma que levou Lula à prisão, em 19/04/1980, quando líder sindical. Para quem acreditou que não se destrói imagem ou símbolo, político ou religioso, enquanto demonstração de tolerância, só restou a esperança de ouvir notícias sobre a exoneração do secretário, já que a extinta caça às bruxas foi substituída pela cassação por quebra de decoro.
Em Brasília, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) recebia, por unanimidade, uma denúncia contra o Presidente da Câmara dos Deputados, tornando-o réu em ação penal, o conteúdo de colaboração premiada de (ainda) Senador, nem homologada, já integrava uma revista semanal com circulação nacional, enumerando acusações gravíssimas contra a mandatária suprema do país e seu antecessor. Os jornalistas que dizem que todos (ainda) mantém os cargos eletivos, porque os advogados lembram o princípio da presunção de inocência e cobram o cumprimento do devido processo legal, já não são aqueles que enfrentaram ações penais, junto de seus advogados, para consolidar a liberdade de imprensa no Brasil.
Ainda na capital nacional, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em vez de cobrar do Procurador Geral da República a investigação do “vazamento” da colaboração premiada - que pode acarretar a desvalia jurídica do quanto apurado - e a identificação de seu autor, preferiu requerer acesso ao conteúdo, para embasar pedido de impeachment, se antecipando aos próprios partidos políticos. A inércia do chefe do Ministério Público seria a forma de poupar os membros da Força-tarefa da Lava Jato de uma investigação? A ilegalidade do “vazamento” é menor que as narradas pelo Senador, a ponto de a OAB ignorar?
A Juíza Federal da 1a. Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal concedeu liminar, em sede de ação popular movida por deputado federal, para impedir que um Procurador de Justiça da Bahia viesse a exercer o cargo de Ministro da Justiça, para o qual empossado em 03/03/2016, depois que o Conselho Superior do Ministério Público (CNMP) negou liminar, com idêntico objetivo, ao Partido Popular Socialista. O partido recorreu ao STF e a questão será julgada no dia 09. Na esteira dos desvios, a ação popular não foi concebida para ser manejada por congressista, tampouco é substitutiva de remédio constitucional para estancar a legitimidade do decreto presidencial de nomeação, a ser julgado pelo STF.
É igualmente inadmissível que um ato do chefe do Poder Executivo nacional esteja sujeito a controle de juízes federais solitários, espalhados por todo o país, ocupantes do 1o grau de jurisdição, mormente quando contrariam decisão de órgão de cúpula, a exemplo do CNMP. Mera interpretação compreensiva é cabível nos dois casos, mas dirão que há independência entre as instâncias administrativa e judicial, com prevalência da segunda, e que seria necessária interpolação legislativa, realmente de rigor para prender alguém antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, porque em jogo direito fundamental, entretanto, dispensável para disciplinar ou conter os poderes (dos agentes) do Estado.
O Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu habeas corpus para evitar a condução coercitiva do ex-presidente Lula, em 02/03/2016, mas ele foi levado de avião de São Bernardo do Campo (SP) até Congonhas (SP), no dia 04/03/2016, por força de mandado de condução coercitiva, assinado por juiz federal em Curitiba (PR), no bojo da 24a fase da Operação Lava Jato, para ser ouvido na condição de investigado. Uma decisão de juiz se sobrepôs à de um Tribunal! A falta de contemporaneidade dos fatos sob apuração e a ausência de prévia intimação para comparecimento evidenciam o caráter abusivo da “prisão por algumas horas”, sem olvidar que, se o imputado tem o direito de ficar silente perante qualquer autoridade, obviamente que pode se recusar a comparecer, como já sucede no rito do júri.
Evitar-se-ia vários tumultos se o ato fosse deprecado, realizado por videoconferência ou por qualquer meio de transmissão de imagem ou voz, a exemplo de Ministra do Superior Tribunal de Justiça, que usa o Skype para atender advogados de todo o país. Um notebook e uma impressora, levados a tiracolo, também permitiria a oitiva em domicílio, concomitante às buscas, poupando o gasto com os traslados aéreos. Antes, o acusado era vítima de pedras e frutas atirados pela patuleia, durante o trajeto e em praça pública, além da pena imposta. Hoje, o suspeito é vítima de compartilhamentos e curtidas nas redes sociais, durante a investigação e o processo, ainda que venha a ser absolvido.
A importância institucional de um ex-presidente da República transborda os limites territoriais do país, servindo as reações da bolsa de valores e da cotação do dólar, após a condução coercitiva, como prova desse fato. O Ministério Público e o Poder Judiciário se louvaram nos modelos de outros países, para condenar o pioneirismo de nossa Constituição quanto à prisão antes do trânsito em julgado, no entanto, se esqueceram que nenhuma daquelas democracias, ditas mais maduras e sólidas, jamais conduziu um ex-chefe de Estado coercitivamente, somente para depor, pois a aura de autoridade continua reconhecida e homenageada.
Melhor cultivar uma árvore de pau-Brasil, pois a destruição dos templos, imagens, homens e instituições minam o sentimento e o orgulho nacionalistas, enquanto se instrui os filhos a nunca cortarem o vegetal, para não serem vítimas do IBAMA, secretarias de meio ambiente ou organismo de proteção às árvores históricas.
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