As 26 fases da Operação Lava Jato
evidenciaram que (ao menos em matéria criminal), o país possui seitas
jurídicas, todas querendo arrebanhar parcelas da (atenção da) população, e
dizendo que as suas convicções e interpretações acerca da Constituição e das
leis (processuais penais) são as que melhor atendem ao interesse público.
Inaugurou-se uma espécie de direito penal em que o fato (dito) criminoso é,
apenas, e quiçá o menor item a ser analisado. São (pre)ponderantes a profissão,
a inclinação política e a circunstância de ser da mesma seita, para investigar,
condenar ou eximir de qualquer incômodo.
A Constituição, as Leis e o Supremo
Tribunal Federal (STF) parecem formar a Santíssima Trindade jurídica do país,
mas o dissenso vem sendo causado pelos profetas, que atendem por Rodrigo Janot,
o Procurador Geral da República (PGR), Sérgio Moro, advogados (grampeados ou
não), e a dupla Teori Zavascki e Gilmar Mendes, todos apagando as linhas que
demarcam suas áreas de atuação e destruindo a credibilidade das instituições a
que pertencem e as outras também.
Em lugar de uma força tarefa composta
por delegados de Polícia Federal, o que se assiste é um grupo formado por
membros do Ministério Público, a sugerir ao marciano que acaba de chegar ao planeta
Terra, e desembarcar no Brasil, que a função do Parquet é investigar e que a polícia não é judiciária, mas
ministerial. O alienígena não acreditou que seria alguém vinculado à
instituição investigativa que formularia a acusação perante o juízo, pois em Marte
há divisão das tarefas de investigar (polícia), acusar (promotor), defender
(advogado) e julgar (magistrado), no que denomina de Sistema Acusatório.
Foi Teori Zavascki quem primeiro votou a
favor da prisão concomitante à preclusão da matéria fático-probatória, como se
a culpa selada tornasse as questões relativas: (1) à capitulação adotada; (2) fixação
da pena-base; (3) valoração de atenuante ou causa de diminuição da pena; (4) fixação
do regime inicial de cumprimento etc; menores e pudéssemos devolver dias de
vida a quem ficou preso excessivamente, depois que os recursos ao STF ou ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) forem julgados em favor do réu, ou alguma
destas Cortes conceder Habeas Corpus de
Ofício.
O extraterrestre afirmou que sua suprema
corte tem função estabilizadora, de modo que não endossaria a insubordinação de
um tribunal à sua jurisprudência, eis porque manteria a prisão condicionada à
coisa julgada, até ser provocada por recurso de órgão acusatório, pois
constitui profanação visitar o tema durante o julgamento de Habeas Corpus, instrumento voltado exclusivamente
à proteção da liberdade, nunca da punição.
O principal corolário do in dubio pro reo, em Marte, é o da
Interpretação mais Favorável ao Réu, ou seja, sempre que houver mais de uma
interpretação possível, cumpre ao Estado identificar e aplicar, em sede penal,
a que (mais ou melhor) beneficie o acusado, pois o Poder Judiciário possui
natureza emancipatória e ampliativa das liberdades públicas. Magistrados heróis
servem para isso, nunca para aderir a agendas punitivas.
O vazamento da colaboração premiada de Senador,
sequer homologada, não animou a Polícia Federal, nem o Ministério Público a
investigarem o delito, ambos fazendo igual uso da cegueira deliberada com que
investem e acusam os não pertencentes às respectivas seitas, quedando-se o
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) omisso. O visitante do
planeta vermelho logo concluiu que estas classes profissionais são imunes à criminalização
ou responsabilização por ato praticado no exercício da função.
Quando constatou que a OAB se antecipou
aos partidos políticos e pediu ao STF o acesso ao conteúdo da colaboração
premiada, para lastrear pedido de impedimento da Presidente da República, o marciano
chegou a duas conclusões: (1) somente os membros dos Poderes Executivo ou Legislativo
podem ser investigados e; (2) a OAB prioriza, na verdade, a estabilidade
política, ainda que seu estatuto se refira ao aprimoramento das instituições.
A Corte Especial do STJ, órgão de cúpula
composto por 15 ministros, deixou de expedir mandado de prisão em desfavor de
desembargador condenado, ao argumento de que o tema mereceria maior reflexão,
mas o fato não impediu a 6ª Turma de mandar prender um ex-deputado em idêntica
condição. O atropelo do menor sobre o maior fica mais grave, ao se perceber que
a maioria foi apertada (3x2) e que os vencedores não possuem assento na grande
cúria.
O alienígena arrematou que: (1) o senso
de hierarquia na magistratura é excêntrico; (2) o prestígio do colegiado maior
pode sofrer abalo por autofagia; (3) a patuleia vai presa após a preclusão da
matéria fático-probatória, mas os membros do Poder Judiciário ficam em liberdade
até o trânsito em julgado e; (4) o fato criminoso é de menor importância, pois o
que vai definir a interpretação a ser aplicada ao caso concreto é o destinatário
da reprimenda! Em Marte, o Direito Penal é o do Fato, nunca o do Autor!
A Polícia representa, o Ministério
Público opina, e um Juiz Federal concede várias conduções coercitivas, sem que
haja o injustificado desatendimento de prévia intimação, e para investigar
fatos pretéritos, não contemporâneos, em claros abusos de poder, mas a OAB se posta
omissa, cedendo terreno ao “triunvirato do bem”, que segue na saga contra a corrupção,
midiaticamente hedionda hoje.
O rapto de um sujeito erradicado em São
Bernardo do Campo, para ser ouvido em Congonhas, na qualidade de investigado,
sob o (pre)texto de que seria para evitar tumultos, é um acinte à inteligência.
Oitiva domiciliar, deprecada, por Skype ou videoconferência seria menos
traumática, facilitaria o exercício da defesa técnica e evitaria os dispêndios
com escolta, transporte terrestre e aéreo etc, disse o alienígena. O motivo político
do traslado é que parece inconfessável!
Uma interceptação telefônica, deferida
no bojo de inquérito policial contra um político, capta conversas com a Presidente
da República, dois de seus Ministros e um Prefeito. Os áudios estão nas redes
sociais e foram reproduzidos nos jornais. A autoria do vazamento é certa:
Sergio Moro, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), sem dedicar uma
linha para explicar de que maneira a retirada do sigilo, ou a publicidade dos áudios,
seriam benéficos ao desenvolvimento da investigação ou da futura ação penal. Em
lugar de criticar o vazamento e pedir punição, a OAB preferiu se valer dos
áudios e engrossar o coro por impeachment.
Se: (1) a decisão que autorizou as
escutas for declarada ilegítima, por falta ou inidoneidade da fundamentação ou;
(2) quedar demonstrado que a retirada do segredo cumpriria ao STF – em razão
das conversas com detentores de foro por prerrogativa de função – ou; (3)
restar assentado que o sigilo da prova consta de lei imperativa, não podendo
ser mitigado, ou; (4) que não poderia ser levantado antes do (fim do prazo para
o) ataque defensivo; os assassinatos políticos, de reputação, de intimidade e
privacidade terão de ser resolvidos em indenizações por danos morais, a cargo
da Viúva, simplesmente porque um juiz federal tomou uma decisão, no mínimo,
prematura. Nenhuma instituição essencial ao funcionamento da justiça condenou o
impulso (dito) heroico.
A OAB só se (pre)ocupou com os “grampos”
deferidos pelo juiz federal quando atingiram a central de um escritório com 25
advogados, porque um deles é suspeito de haver se associado ao (suposto) grupo
criminoso, pretexto ótimo para quem pretende monitorar os atos e a estratégia
da defesa do investigado. Mas a Polícia Federal, o MPF e o juiz federal travam
uma “cruzada jurídica” contra a corrupção, então vale-tudo, até panfletagem
para atingir as assinaturas necessárias a um projeto de lei de iniciativa
popular.
O extraterrestre invejou a
disponibilidade de tempo dos procuradores, para se dedicar a função distante da
missão institucional, mas estranhou o fato de juízes e promotores poderem usar
o horário de expediente para a militância popular, pois lá isso também se
enquadra como corrupção.
Dilma foi acusada de nomear Lula como
novo ministro da Casa Civil, apenas para que ele ganhasse foro pela
prerrogativa e fugisse de Sergio Moro, e o áudio (i)legítimo(?) serviu de
fundamento para Gilmar Mendes, ministro do STF, suspender a posse do petista no
cargo. O visitante do planeta vermelho concordou que houve desvio de finalidade
na nomeação, e concluiu que igual argumento deixou de invalidar a condução
coercitiva deferida por Moro contra Lula, porque inaplicável aos membros do
Poder Judiciário, pois isentos de interesses político-partidários!
A rápida concessão de liminares por três
juízes federais, em Brasília, Assis (SP) e Rio de Janeiro, contra o ato da
chefe do Poder Executivo que entregaria o ministério da Casa Civil a Lula, reflete
a solidariedade dos colegas a Moro, a baixa popularidade da Presidente e, ao
menos uma delas, a preferência político-partidária do prolator. Em Marte, é inadmissível
que as presunções de legitimidade e de legalidade de ato administrativo da
Presidente esteja à mercê do primeiro grau de jurisdição, diluída por todo o
país, e sejam afastadas por critérios não jurídicos e com base em áudio sobre o
qual pesa dúvida quanto a (in)validade!
Mais uma vez, nenhuma instituição
essencial ao funcionamento da justiça perscrutou as razões subjacentes da
celeridade incomum na concessão das liminares, nem reprovou a clara militância
política encarnada nas decisões. Com o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional
afundados no descrédito, os (pequenos?) erros do Poder Judiciário, da polícia e
do Parquet não recebem a atenção da
imprensa, em regra porque o prejuízo não é quantificável, ou porque desatende
às expectativas de culpa da turba.
Todos os protagonistas da Operação Lava
Jato colherão dividendos com a exploração da reputação dos acusados ou
investigados. A polícia federal está a exigir sua autonomia funcional, enquanto
os procuradores da Força Tarefa e Sergio Moro sabem que serão promovidos por
merecimento. Ao lado do gene altruísta está o gene egoísta, lembrou o marciano!
O alienígena deduziu que: (1) os crimes
de corrupção estão relacionados ao direito eleitoral, por isso que somente
políticos e financiadores de campanha são sujeitos (ativo e passivo); (2) o
recebimento de quantia indevida por delegado, promotor ou juiz constitui
simples dízimo, em prol da causa maior, pois a figura do dolo é incompatível
com a profissão de fé; (3) o foro por prerrogativa de função que decorre do
exercício de mandato eletivo é uma excrecência que atrapalha o curso das
investigações e; (4) o foro privilegiado que beneficia a magistratura e o
ministério público são legítimos porque derivam da aprovação em concurso
público.
Por ora, os concursados (polícia,
ministério público e juiz) formadores do “triunvirato do bem” apontam as suas
baterias contra os integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo e seus
financiadores (os inimigos de hoje), mas os disparos já vitimaram 24 advogados
inocentes. Quais serão os próximos profissionais a tombar?
Para não serem vítimas de uma das balas
perdidas da guerra atual, vários contadores, administradores, médicos, dentre
outros, logo perguntaram: o que fazer para se proteger do “triunvirato do bem”?
Apoiar uma Emenda Constitucional para permitir que delegados, promotores e
juízes possam disputar as eleições ou integrar o Poder Executivo?
O extraterrestre respondeu positivamente
às questões, posto que Rodrigo Janot, o chefe do Ministério Público, opinou
para que um Procurador de Justiça da Bahia, nomeado Ministro da Justiça por
Dilma, pudesse ser empossado e exercer o cargo, entretanto a pretensão foi
estancada pelo STF.
Aos advogados cumpre cabalar a simpatia (as
rezas e orações também) da opinião pública, lembrando que foram as canetas
deles que desafiaram os fuzis e que defenderam os jornalistas (os inimigos de
ontem) que lutavam pela liberdade de imprensa. O medo da prisão, que outrora
acometiam os advogados que defendiam periodistas, foi substituído pelo temor da
devassa de intimidade e sua propagação virtual, simplesmente porque defendem
políticos.
O visitante do planeta vermelho
vaticinou que, se a OAB não ocupar seu espaço institucional, insistindo pela (re)pintura
das linhas demarcatórias das funções de investigar, acusar, defender, julgar,
legislar, propor e executar políticas públicas etc, o Brasil se transformará numa
república em que um cartel de concursados, após comandar as eleições e apurar o
resultado, ainda terá a prerrogativa de “vetar” os candidatos mais votados pelo
povo.
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