quarta-feira, 23 de março de 2016

Um cartel de concursados tomará o poder, diz um marciano



As 26 fases da Operação Lava Jato evidenciaram que (ao menos em matéria criminal), o país possui seitas jurídicas, todas querendo arrebanhar parcelas da (atenção da) população, e dizendo que as suas convicções e interpretações acerca da Constituição e das leis (processuais penais) são as que melhor atendem ao interesse público. Inaugurou-se uma espécie de direito penal em que o fato (dito) criminoso é, apenas, e quiçá o menor item a ser analisado. São (pre)ponderantes a profissão, a inclinação política e a circunstância de ser da mesma seita, para investigar, condenar ou eximir de qualquer incômodo.

A Constituição, as Leis e o Supremo Tribunal Federal (STF) parecem formar a Santíssima Trindade jurídica do país, mas o dissenso vem sendo causado pelos profetas, que atendem por Rodrigo Janot, o Procurador Geral da República (PGR), Sérgio Moro, advogados (grampeados ou não), e a dupla Teori Zavascki e Gilmar Mendes, todos apagando as linhas que demarcam suas áreas de atuação e destruindo a credibilidade das instituições a que pertencem e as outras também.

Em lugar de uma força tarefa composta por delegados de Polícia Federal, o que se assiste é um grupo formado por membros do Ministério Público, a sugerir ao marciano que acaba de chegar ao planeta Terra, e desembarcar no Brasil, que a função do Parquet é investigar e que a polícia não é judiciária, mas ministerial. O alienígena não acreditou que seria alguém vinculado à instituição investigativa que formularia a acusação perante o juízo, pois em Marte há divisão das tarefas de investigar (polícia), acusar (promotor), defender (advogado) e julgar (magistrado), no que denomina de Sistema Acusatório.

Foi Teori Zavascki quem primeiro votou a favor da prisão concomitante à preclusão da matéria fático-probatória, como se a culpa selada tornasse as questões relativas: (1) à capitulação adotada; (2) fixação da pena-base; (3) valoração de atenuante ou causa de diminuição da pena; (4) fixação do regime inicial de cumprimento etc; menores e pudéssemos devolver dias de vida a quem ficou preso excessivamente, depois que os recursos ao STF ou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) forem julgados em favor do réu, ou alguma destas Cortes conceder Habeas Corpus de Ofício.

O extraterrestre afirmou que sua suprema corte tem função estabilizadora, de modo que não endossaria a insubordinação de um tribunal à sua jurisprudência, eis porque manteria a prisão condicionada à coisa julgada, até ser provocada por recurso de órgão acusatório, pois constitui profanação visitar o tema durante o julgamento de Habeas Corpus, instrumento voltado exclusivamente à proteção da liberdade, nunca da punição.

O principal corolário do in dubio pro reo, em Marte, é o da Interpretação mais Favorável ao Réu, ou seja, sempre que houver mais de uma interpretação possível, cumpre ao Estado identificar e aplicar, em sede penal, a que (mais ou melhor) beneficie o acusado, pois o Poder Judiciário possui natureza emancipatória e ampliativa das liberdades públicas. Magistrados heróis servem para isso, nunca para aderir a agendas punitivas.

O vazamento da colaboração premiada de Senador, sequer homologada, não animou a Polícia Federal, nem o Ministério Público a investigarem o delito, ambos fazendo igual uso da cegueira deliberada com que investem e acusam os não pertencentes às respectivas seitas, quedando-se o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) omisso. O visitante do planeta vermelho logo concluiu que estas classes profissionais são imunes à criminalização ou responsabilização por ato praticado no exercício da função.

Quando constatou que a OAB se antecipou aos partidos políticos e pediu ao STF o acesso ao conteúdo da colaboração premiada, para lastrear pedido de impedimento da Presidente da República, o marciano chegou a duas conclusões: (1) somente os membros dos Poderes Executivo ou Legislativo podem ser investigados e; (2) a OAB prioriza, na verdade, a estabilidade política, ainda que seu estatuto se refira ao aprimoramento das instituições.

A Corte Especial do STJ, órgão de cúpula composto por 15 ministros, deixou de expedir mandado de prisão em desfavor de desembargador condenado, ao argumento de que o tema mereceria maior reflexão, mas o fato não impediu a 6ª Turma de mandar prender um ex-deputado em idêntica condição. O atropelo do menor sobre o maior fica mais grave, ao se perceber que a maioria foi apertada (3x2) e que os vencedores não possuem assento na grande cúria.

O alienígena arrematou que: (1) o senso de hierarquia na magistratura é excêntrico; (2) o prestígio do colegiado maior pode sofrer abalo por autofagia; (3) a patuleia vai presa após a preclusão da matéria fático-probatória, mas os membros do Poder Judiciário ficam em liberdade até o trânsito em julgado e; (4) o fato criminoso é de menor importância, pois o que vai definir a interpretação a ser aplicada ao caso concreto é o destinatário da reprimenda! Em Marte, o Direito Penal é o do Fato, nunca o do Autor!

A Polícia representa, o Ministério Público opina, e um Juiz Federal concede várias conduções coercitivas, sem que haja o injustificado desatendimento de prévia intimação, e para investigar fatos pretéritos, não contemporâneos, em claros abusos de poder, mas a OAB se posta omissa, cedendo terreno ao “triunvirato do bem”, que segue na saga contra a corrupção, midiaticamente hedionda hoje.

O rapto de um sujeito erradicado em São Bernardo do Campo, para ser ouvido em Congonhas, na qualidade de investigado, sob o (pre)texto de que seria para evitar tumultos, é um acinte à inteligência. Oitiva domiciliar, deprecada, por Skype ou videoconferência seria menos traumática, facilitaria o exercício da defesa técnica e evitaria os dispêndios com escolta, transporte terrestre e aéreo etc, disse o alienígena. O motivo político do traslado é que parece inconfessável!

Uma interceptação telefônica, deferida no bojo de inquérito policial contra um político, capta conversas com a Presidente da República, dois de seus Ministros e um Prefeito. Os áudios estão nas redes sociais e foram reproduzidos nos jornais. A autoria do vazamento é certa: Sergio Moro, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), sem dedicar uma linha para explicar de que maneira a retirada do sigilo, ou a publicidade dos áudios, seriam benéficos ao desenvolvimento da investigação ou da futura ação penal. Em lugar de criticar o vazamento e pedir punição, a OAB preferiu se valer dos áudios e engrossar o coro por impeachment.

Se: (1) a decisão que autorizou as escutas for declarada ilegítima, por falta ou inidoneidade da fundamentação ou; (2) quedar demonstrado que a retirada do segredo cumpriria ao STF – em razão das conversas com detentores de foro por prerrogativa de função – ou; (3) restar assentado que o sigilo da prova consta de lei imperativa, não podendo ser mitigado, ou; (4) que não poderia ser levantado antes do (fim do prazo para o) ataque defensivo; os assassinatos políticos, de reputação, de intimidade e privacidade terão de ser resolvidos em indenizações por danos morais, a cargo da Viúva, simplesmente porque um juiz federal tomou uma decisão, no mínimo, prematura. Nenhuma instituição essencial ao funcionamento da justiça condenou o impulso (dito) heroico.

A OAB só se (pre)ocupou com os “grampos” deferidos pelo juiz federal quando atingiram a central de um escritório com 25 advogados, porque um deles é suspeito de haver se associado ao (suposto) grupo criminoso, pretexto ótimo para quem pretende monitorar os atos e a estratégia da defesa do investigado. Mas a Polícia Federal, o MPF e o juiz federal travam uma “cruzada jurídica” contra a corrupção, então vale-tudo, até panfletagem para atingir as assinaturas necessárias a um projeto de lei de iniciativa popular.

O extraterrestre invejou a disponibilidade de tempo dos procuradores, para se dedicar a função distante da missão institucional, mas estranhou o fato de juízes e promotores poderem usar o horário de expediente para a militância popular, pois lá isso também se enquadra como corrupção.

Dilma foi acusada de nomear Lula como novo ministro da Casa Civil, apenas para que ele ganhasse foro pela prerrogativa e fugisse de Sergio Moro, e o áudio (i)legítimo(?) serviu de fundamento para Gilmar Mendes, ministro do STF, suspender a posse do petista no cargo. O visitante do planeta vermelho concordou que houve desvio de finalidade na nomeação, e concluiu que igual argumento deixou de invalidar a condução coercitiva deferida por Moro contra Lula, porque inaplicável aos membros do Poder Judiciário, pois isentos de interesses político-partidários!

A rápida concessão de liminares por três juízes federais, em Brasília, Assis (SP) e Rio de Janeiro, contra o ato da chefe do Poder Executivo que entregaria o ministério da Casa Civil a Lula, reflete a solidariedade dos colegas a Moro, a baixa popularidade da Presidente e, ao menos uma delas, a preferência político-partidária do prolator. Em Marte, é inadmissível que as presunções de legitimidade e de legalidade de ato administrativo da Presidente esteja à mercê do primeiro grau de jurisdição, diluída por todo o país, e sejam afastadas por critérios não jurídicos e com base em áudio sobre o qual pesa dúvida quanto a (in)validade!

Mais uma vez, nenhuma instituição essencial ao funcionamento da justiça perscrutou as razões subjacentes da celeridade incomum na concessão das liminares, nem reprovou a clara militância política encarnada nas decisões. Com o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional afundados no descrédito, os (pequenos?) erros do Poder Judiciário, da polícia e do Parquet não recebem a atenção da imprensa, em regra porque o prejuízo não é quantificável, ou porque desatende às expectativas de culpa da turba.

Todos os protagonistas da Operação Lava Jato colherão dividendos com a exploração da reputação dos acusados ou investigados. A polícia federal está a exigir sua autonomia funcional, enquanto os procuradores da Força Tarefa e Sergio Moro sabem que serão promovidos por merecimento. Ao lado do gene altruísta está o gene egoísta, lembrou o marciano!

O alienígena deduziu que: (1) os crimes de corrupção estão relacionados ao direito eleitoral, por isso que somente políticos e financiadores de campanha são sujeitos (ativo e passivo); (2) o recebimento de quantia indevida por delegado, promotor ou juiz constitui simples dízimo, em prol da causa maior, pois a figura do dolo é incompatível com a profissão de fé; (3) o foro por prerrogativa de função que decorre do exercício de mandato eletivo é uma excrecência que atrapalha o curso das investigações e; (4) o foro privilegiado que beneficia a magistratura e o ministério público são legítimos porque derivam da aprovação em concurso público.

Por ora, os concursados (polícia, ministério público e juiz) formadores do “triunvirato do bem” apontam as suas baterias contra os integrantes dos Poderes Legislativo e Executivo e seus financiadores (os inimigos de hoje), mas os disparos já vitimaram 24 advogados inocentes. Quais serão os próximos profissionais a tombar?

Para não serem vítimas de uma das balas perdidas da guerra atual, vários contadores, administradores, médicos, dentre outros, logo perguntaram: o que fazer para se proteger do “triunvirato do bem”? Apoiar uma Emenda Constitucional para permitir que delegados, promotores e juízes possam disputar as eleições ou integrar o Poder Executivo?

O extraterrestre respondeu positivamente às questões, posto que Rodrigo Janot, o chefe do Ministério Público, opinou para que um Procurador de Justiça da Bahia, nomeado Ministro da Justiça por Dilma, pudesse ser empossado e exercer o cargo, entretanto a pretensão foi estancada pelo STF.

Aos advogados cumpre cabalar a simpatia (as rezas e orações também) da opinião pública, lembrando que foram as canetas deles que desafiaram os fuzis e que defenderam os jornalistas (os inimigos de ontem) que lutavam pela liberdade de imprensa. O medo da prisão, que outrora acometiam os advogados que defendiam periodistas, foi substituído pelo temor da devassa de intimidade e sua propagação virtual, simplesmente porque defendem políticos.

O visitante do planeta vermelho vaticinou que, se a OAB não ocupar seu espaço institucional, insistindo pela (re)pintura das linhas demarcatórias das funções de investigar, acusar, defender, julgar, legislar, propor e executar políticas públicas etc, o Brasil se transformará numa república em que um cartel de concursados, após comandar as eleições e apurar o resultado, ainda terá a prerrogativa de “vetar” os candidatos mais votados pelo povo.

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