sexta-feira, 17 de junho de 2011

Judiciário: o Poder xerife

(Publicado na edição de 11/12/2009 do jornal O Estado do Maranhão)
No embate Itália contra Cesare Battisti, não importa quem vença: o Brasil perdeu. Além da falta de coerência do Supremo Tribunal Federal e da mácula à harmonia entre os Poderes, o julgamento revelou à comunidade internacional a hipertrofia judicial, em prejuízo do Sistema de Freios e Contrapesos proposto por Montesquieu, mais conhecido como a Teoria da Separação dos Poderes.

Contra os próprios precedentes, o STF fulminou, pelo placar de 5 a 4, ato do Ministro da Justiça que concedeu refúgio político ao ex-ativista italiano. Até então, a Corte sustentava que “o reconhecimento administrativo da condição de refugiado, enquanto dure, é elisiva, por definição, da extradição”, pois se “reserva ao Poder Executivo [...], por atribuição constitucional, a competência para tomar decisões que tenham reflexos no plano das relações internacionais do Estado.” (Ext 1008).

Notícia do dia 18 de novembro, veiculada no Portal do STF, informa que “os ministros passaram a analisar se o presidente da República seria obrigado a cumprir a decisão do STF e entregar Battisti ao governo italiano, ou se teria algum poder discricionário [...] para decidir a questão, como chefe de Estado. Por cinco votos a quatro, os ministros entenderam que o presidente tem poder discricionário para decidir se extradita ou não Cesare Battisti. “Vale lembrar que em 12/06/2008, por unanimidade, o STF disse que “se deferida [a extradição], a entrega do súdito ao Estado requerente fica a critério discricionário do Presidente da República.” (Ext 1114).

Battisti foi julgado sob o império da mesma Constituição e das mesmas Leis em vigor ao tempo da decisão unânime, no sentido de que caberia ao Presidente a entrega (ou não) do extraditando ao Estado requerente. Se parecer pouco, a composição do tribunal também era idêntica. Tanto indica que o direito é também um fenômeno lingüístico e não natural, pois a interpretação das mesmas normas, pelas mesmas pessoas, pode conduzir a resultado distinto.

Em um julgamento desastroso para as instituições brasileiras, o Supremo desafiou suas próprias decisões, encarnou a figura de Ministro da Justiça e, por pouco, não disparou uma ordem ao Presidente da República! Esqueceu-se da coerência, minimizou a harmonia entre os Poderes e quase usurpa para si função do Executivo.

Quatro ministros mudaram de idéia em pouco mais de um ano, por quê? Seria porque “O Supremo [...] é cúpula de Poder e exerce papel político”, como afirmou sem hesitar, dia 06 de novembro, a ministra Carmem Lúcia? Isso implica alinhamento a uma corrente ou grupo ideológico, o que conflita com a neutralidade imanente ao ideal de Justiça e condena o direito a servir de camuflagem a convicções políticas e pessoais.

Essa explicação do câmbio repentino e incoerente de posição acena a possibilidade de que o empenho dos ministros é no sentido de convencer o auditório de que suas decisões são legais e justas. Assim, o discurso jurídico não passa de justificação da vontade política ou pessoal dos magistrados!

Dia 16 de novembro, o sítio do STF noticiou uma “questão de ordem pendente de julgamento desde 1990”, ou seja, aquela Corte é devedora da prestação jurisdicional por 19 anos. Menos tempo foi suficiente para que o próprio STF declarasse “o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas”, porque “Passados mais de 10 anos, não foi editada a lei complementar federal” (ADI 3682).

Enquanto Battisti banca o Robin Hood spaghetti, o STF encarna o Xerife de Nottingham. Não tem compromisso com o que proclama, transforma-se em Ministro da Justiça, decide se manda (ou não) no Presidente, chama a atenção do Legislativo e fixa prazo para ser cumprido por todos, excluindo a si mesmo.
Se ninguém tem poder de mando ou é capaz de exortar o Supremo, então temos a ditadura da toga. E o mais grave, não há possibilidade de impeachment para os membros do Poder Judiciário e os mandatos só acabam quando completam 70 anos. Seria o caso de ressuscitar o Poder Moderador?

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